Origenes Conhecimento de Deus

Orígenes — Comentário ao Cântico dos Cânticos
O conhecimento de Deus através de suas obras
(P.G. 13, 172s — tradução Cirilo Folch Gomes)

O apóstolo Paulo nos ensina que o “invisível Deus” se tornou “manifesto” através das coisas visíveis, mostrando assim que este mundo visível contém um ensinamento sobre o mundo invisível, que esta terra contém certas imagens das realidades celestes, de sorte a podermos elevar-nos a partir das coisas de baixo até as coisas do alto e a degustar, e de certo modo entender, o que é celeste através do que é terrestre.

Deus reproduziu a imagem das coisas celestes nas da terra, dando a estas certa analogia cem aquelas, a fim de as tornar mais compreensíveis em sua multiplicidade e em seu significado. O mesmo Deus, que fez o homem “à sua imagem e semelhança” parece ter querido dar também às outras criaturas uma semelhança cem certos arquétipos celestes. E a semelhança é tanta que mesmo o grão de mostarda, “a menor de todas as sementes”, tem seu análogo no reino dos céus, e então, por essa lei natural que o faz a menor das sementes (mas capaz de se tornar maior que as outras árvores, abrigando nos ramos os pássaros de céu), ele representaria para nós não só uma realidade celeste mas todo o reino dos céus.

Neste sentido é possível que as outras sementes terrestres encerrem igualmente analogias e sinais das coisas celestes. E se isso é verdadeiro para as sementes, deve sê-lo também para as plantas, e se é verdadeiro para as plantas, deve sê-lo para os animais, aves, répteis ou quadrúpedes. É lícito pensar ainda o seguinte: a mostarda não é apenas análoga ao reino dos céus por causa dos pássaros que abriga em seus ramos, mas encerra outra imagem, a da perfeição da (“quem tem uma grande como um grão de mostarda poderá dizer a esta montanha: desloca-te, e ela se deslocará”): é possível, portanto que as outras realidades também não se limitem a manifestar de uma única maneira a figura e a imagem das realidades celestes; será de várias maneiras que elas serão imagens e figuras. . .

Assim podemos pensar que os outros seres, sementes, plantas, raízes, animais, que estão ao serviço das necessidades dos homens, encerrando, além disso, a figura e imagem do mundo invisível, têm essa função de elevar a alma e conduzi-la à contemplação das coisas celestes. É talvez isso o que quer dizer o porta-voz da divina Sabedoria, quando se exprime assim: “Foi ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, que me fez conhecer a constituição do mundo e as virtudes dos elementos, o começo, o fim e o meio dos tempos, a sucessão dos solstícios e a mudança das estações, os ciclos do ano e as posições dos astros, a natureza dos animais e os instintos dos brutos, o poder dos espíritos e os pensamentos dos homens, a variedade das plantas e as propriedades das raízes; tudo que está escondido e tudo que está aparente eu conheço”.

Mostra-se-nos assim, sem sombra de dúvida, que tudo que se vê está em relação com algo de oculto, isto é: cada uma das realidades visíveis é um símbolo e nos reporta a uma correspondente realidade invisível.

Acaso esta passagem da Escritura não explica e esclarece a questão de que nos ocupamos? O escriba da divina sabedoria diz, no fim de sua enumeração, ter adquirido a ciência “de tudo que está escondido e de tudo que está aparente”.

Ora, é impossível ao homem conhecer algo das realidades invisíveis e ocultas se não percebe sua imagem e analogia nas coisas visíveis; assim, creio que aquele que fez tudo cem sabedoria deu a cada uma das espécies criadas a capacidade de encerrar uma lição, um ensinamento sobre as coisas invisíveis e celestes, a fim de que o espírito humano pudesse servir-se delas como de degraus para se elevar ao entendimento espiritual e encontrar nas coisas celestes o princípio das terrestres. Então, instruído pela sabedoria de Deus, poderá igualmente declarar: “tudo que está escondido ou aparente eu conheço”.