Imortalidade [PNTA]

Paul NothombIMORTALIDADE [PNTA]

Máximo da utopia para nós, a ausência de morte. Sob todas suas formas. No SEGUNDO RELATO da Criação (mais antigo que o primeiro relato (RELATO DOS SEIS DIAS) não é um mundo selvagem que Deus cria para o Homem. É um jardim (a estepe, a selva, a floresta virgem, isto será o exílio). Imortais de natureza, os hóspedes do jardim aí não envelhecem, aí não conhecem a vergonha nem humilhação qualquer. Os animais ao redor deles não são carnívoros, nem ansiosos. Nenhum sangue aí não é versado. O alimento para todos é vegetariano como no primeiro relato. Certo que no segundo relato a morte é evocada. E a única que o Homem do éden deve absolutamente evitar. Evitar de suscitar. Pois sua liberdade vai até aí…

Sendo naturalmente imortal, o Homem não tem nenhuma ideia da morte. É porque Deus o põe solenemente em guarda contra ele mesmo e o adverte do perigo que corria renegando sua natureza, o que a liberdade lhe permite fazer. Renegar sua natureza seria morrer, e é o que significaria simbolicamente a ruptura da árvore da qual Deus lhe diz: “Se dela comes, morrerás certamente” (Gn 2,17). Logo antes dela comer, e se dela não tivesse comido, não devia morrer. E depois dela ter comido ainda Deus o impede de aproximar-se da Árvore da Vida, notando que seria suficiente ao Homem dela comer como de um antídoto, para “viver para sempre” (Gn 3,22). Logo mesmo depois de ter renegado sua natureza, o Homem permanece potencialmente imortal. Sobre esta simbólica existencial veja Árvores do Paraíso e Jardim do Éden.

Os meios que continuam tradicionalmente a se valer da Bíblia, aí compreendido a “Bíblia das Origens”, contestam mais e mais esta “natureza” imortal. Para os católicos a opinião prevalece que criando a mais completa de suas criaturas, Deus não a dotou de imortalidade mas de uma “alma” imortal ou de uma “vocação à imortalidade” que ele não soube realizar e cuja realização, com efeito, é remetida “ao final dos tempos”. Protestantes, entre os mais “ortodoxos”, não hesitam a professar que o Homem foi criado mortal, e que seus descendentes que somos não podem, assim como Adão, esperar saborear um dia a “vida eterna” a não ser pela graça, depois da “ressurreição dos mortos”. O judaísmo em seu conjunto, mais sóbrio nesta matéria remete também a resposta ao “mundo a vir”. Em todos como em semântica, a morte prece necessariamente a improvável imortalidade.

Sem dúvida é o ponto de vista do “bom senso”. E deve-se dizer que a deplorável tradução da “Bíblia das Origens” em vigor desde a Septuaginta parece lhe dar razão. A começar pelo famoso “Crescei e Multiplicai-vos”, que não se trata em absoluto no RELATO DOS SEIS DIAS de um apelo à reprodução humana implicando a morte. Mas há sobretudo nesta adesão geral ao “bom senso” dos “crentes do impossível” que são teoricamente os cristão e os judeus, um terrível desconhecimento disto que é existencialmente a morte na “Bíblia das Origens” como para cada indivíduo. Não é um termo, mas um estado. Não é um fim da vida consciente (pois a vida inconsciente ignora a morte) mas sua assombração sem fim. Quando ele “come da árvore” apesar do aviso divino anunciando que se comesse morreria, o Homem “morre” efetivamente, quer dizer se torna mortal. Se ele “vive” em seguida ainda muito tempo, é em sursis e disto sabendo. Não é mais a mesma vida. Antes era a verdadeira Vida, sem usura, sem morte. Doravante é a “vida-para-a-morte” (v. Martin Heidegger, “ser-para-a-morte”).

Para a Bíblia das Origens, portanto, a imortalidade precede a morte que o Homem, e não Deus, introduziu no mundo. É capital. É decisivo. Se se pensa ao contrário, em todo caso assim penso, é impossível “crer em Deus” pelo menos em um Deus “bom” como aquele do qual nos falam judeus e cristãos. Como! Mesmo em vistas de uma imortalidade-recompensa no futuro, o “bom Deus” teria condenado deliberadamente sua única criatura plenamente consciente a morrer que a dizer a “viver” anos (Adão 930 anos!) na perspectiva da morte, da degradação física e mental, do envelhecimento, do sofrimento que implica o processo biológico lúcido! Seria totalmente monstruoso e o autor de semelhante crueldade gratuita mereceria a execração ao invés de louvores, orações e suplicações das religiões judia e cristãs. Além do mais que estas lhe prestam uma pré-ciência absoluta de todas as atrocidades que vão cometer no curso das eras os homens que diz ter criado livres, o que os impede disto se abster posto que ele não pode se enganar! Este teocrata infalível, pior que o destino cego, eu recuso.

Mas a “Bíblia das Origens” também o recusa. Se pelo menos sabe-se lê-la de outro modo que ensina a tradição de aceitação, vide de glorificação da “condição humana” que se exprime já na moral da retribuição e do castigo divino recheado de promessas para uma “boa conduta”, da Bíblia histórica e profética. E que a tradução de nossas bíblias faz remontar à Criação ela mesma.