Nicéforo o Solitário — Seleção de Jean Gouillard
Do próprio Nicéforo
Alguns santos deram à atenção (epimeleia) o nome de “guarda do espírito”, outros de “guarda do coração (kardia)”, outros de “sobriedade”, outros de “repouso do espírito” ou ainda nomes diferentes. Tantas expressões que vêm a ser a mesma coisa, como se se dissesse pão, pedaço de pão ou fatia de pão.
O que é a atenção (epimeleia)? Quais são suas propriedades? Escutai-me bem. A atenção (epimeleia) é o sinal da penitência cumprida; a atenção (epimeleia) é o chamado da alma (psyche) ( de volta do desregramento das paixões ), a abominação do mundo e a volta para Deus. A atenção (epimeleia) é a renúncia aos pecados, para revestir-se da virtude. A atenção (epimeleia) é a certeza indubitável do perdão de seus pecados. A atenção (epimeleia) é o princípio da contemplação (theoria), ou antes, sua base permanente. Graças a ela, Deus se inclina sobre o espírito para manifestar-se a ele. A atenção (epimeleia) é a ataraxia do espírito, sua fixação pela misericórdia de Deus concedida à alma (psyche). A atenção (epimeleia) é a purificação (katharsis) dos pensamentos, o templo da lembrança de Deus, o tesouro da aceitação das provações. A atenção (epimeleia) é o auxiliar da fé, da esperança e da caridade. Sem a fé, não se suportariam as provações que vêm de fora; quem não aceita com alegria as provações, não pode dizer ao Senhor: “Tu és meu refúgio e meu asilo” ( Sl 3,4 ). E, se não põe seu refúgio no Altíssimo, não possuirá o amor no fundo do coração (kardia) “.
Esse efeito sublime acontece à maioria, para não dizer a todos, através do canal do ensino. É muito raro recebê-lo de Deus, sem necessidade de mestre, unicamente pela força da ação (praxis) e pelo fervor da fé. Ora, a exceção não faz a lei. É importante, pois, procurar um mestre infalível: suas lições mostrarão os nossos desvios para a direita ou para a esquerda, e também nossos excessos em matéria de atenção (epimeleia); sua experiência pessoal dessas provações vai esclarecer-nos a respeito delas e mostrai, sem qualquer dúvida, o caminho espiritual, que poderemos então percorrer sem dificuldade. Se não tens mestre, procura um, a qualquer custo. Se não o encontrares, invoca Deus, na contrição do espírito e nas lágrimas; suplica-lhe no despojamento, e faz o que te digo.
Mas, em primeiro lugar, que tua vida seja tranquila, livre de qualquer preocupação, em paz com todos. Então, entra no teu quarto, isola-te e, sentado num canto, faz como vou dizer-te:
Sabes que nossa respiração, o ar que inspiramos, só o expiramos ( talvez: respiramos ) por causa do coração (kardia). Pois, o princípio da vida e do calor do corpo (soma) é o coração (kardia). Ele aspira o ar para expulsar seu próprio calor através da expiração e para obter, assim, uma temperatura ideal. O princípio dessa organização, ou melhor, seu instrumento, é o pulmão. Fabricado pelo Criador, de um tecido tênue, ele incessantemente introduz e expele o ar como se fosse um fole. Desse modo, o coração (kardia), aspirando de um lado o frio através da respiração e expulsando o calor, conserva inviolavelmente a função que lhe foi atribuída no equilíbrio dos vivos.
Quanto a ti, como te disse, senta-te, recolhe teu espírito, introduze-o — digo teu espírito — nas narinas; esse é o caminho que o ar faz para ir ao coração (kardia). Empurra-o, força-o a descer ao teu coração (kardia), ao mesmo tempo que o ar inspirado. Quando ele estiver ali, verás a alegria que vais sentir: não terás nada que lamentar. Assim como o homem que volta para casa, depois de um tempo de ausência, não consegue conter a alegria de poder rever a mulher e os filhos, também o espírito, tendo-se unido à alma (psyche), transborda de alegria e de delícias inefáveis.
Irmão, acostuma pois o teu espírito a não ter pressa de se separar da alma (psyche). No início, falta-lhe zelo — é o mínimo que se pode dizer — para essa reclusão e esse retraimento interior. Mas, uma vez adquirido o hábito, não sentirá mais nenhum prazer nos giros de fora. Pois “o reino de Deus está dentro de nós”, e a quem volta para ele o olhar e o busca por meio da oração (euche) pura, todo o mundo exterior se torna vil e desprezível.
Se, desde o princípio, penetras pelo espírito no lugar que te mostrei do coração (kardia), graças a Deus! Glorifica-o, exulta e consagra-te unicamente a esse exercício. Ele te ensinará o que ignoras. Fica sabendo também que, enquanto teu espírito se encontra lá, não deves nem calar-te, nem permanecer ocioso. Mas, não tenhas outra ocupação, nem meditação, além do grito de “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim!” Nenhuma trégua, a preço algum. Mantendo teu espírito ao abrigo das divagações, essa prática o torna inexpugnável e inacessível às sugestões do inimigo; e, cada dia, ela o eleva no amor e no desejo de Deus.
Mas se, irmão, apesar de todos os esforços, não consegues penetrar nos lugares do coração (kardia), segundo as minhas indicações, faze como te digo e, com o auxílio de Deus, chegarás a teus fins. Sabes que a sede da razão do homem é o peito. É, de fato, no peito que, permanecendo mudos os nossos lábios, nós falamos, decidimos, compomos orações e salmos, etc. Depois de banir dessa razão todo pensamento ( podes, é só querer ), dá-lhe o “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim” e obriga o teu peito a gritar interiormente essas palavras, excluindo qualquer outro pensamento. Quando, com o tempo, te tiveres tornado mestre dessa prática, ela te abrirá a entrada do coração (kardia), como te disse, sem dúvida alguma. Eu mesmo fiz a experiência. Com a atenção (epimeleia), alegre e tão desejável, verás vir a ti todo o coro das virtudes (arete), o amor, a alegria, a paz e todo o resto. Graças a elas, todas as tuas súplicas serão atendidas em Nosso Senhor Jesus Cristo…