LOGIA JESUS — MOSTRE-NOS O PAI (Jo XIV, 8-9)
8 Philippos lhe diz: «Adôn, mostra-nos o pai: isso nos basta.»
9 Iéshoua lhe diz:
«Há tanto tempo estou convosco, e tu não me conheces, Philippos?
Quem vê a mim, vê o pai.
Como podes dizer: “Faze-nos ver o pai”? [Chouraqui]
Joaquim Carreira das Neves: ESCRITOS DE SÃO JOÃO [CNEJ]
A Filipe, Jesus responde também com sentido absoluto: “Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, ‘mostra-nos o Pai?”‘(v.9). O verbo “conhecer” aparece continuamente no quarto evangelho. Não tem um significado de gnoseologia grega, mas de revelação bíblica. O mesmo se diga do verbo “ver”: “conhecer” e “ver” Jesus é conhecer e ver melhor que o AT o próprio Pai. Trata-se duma continuidade em qualidade e projeção de revelação. É, por fim, a revelação do próprio mistério de Deus, desconhecido desde sempre até à aparição do Filho de Deus. Todo o NT apresenta continuamente esta novidade agora revelada, classificada por Paulo como Evangelho.
Jean Canteins: MYSTÉRES ET SYMBOLES CHRISTIQUES [CMSC]
Uma vez constatada a ausência total de imagem de Deus no AT, é fácil enumerar muitas referências textuais. Assim, a julgar pela advertência do Deuteronômio IV,15-16 ou pela famosa frase da passagem IV,12: «[…] Nenhuma imagem, nada senão uma voz!», pode-se dizer que o Deus de Israel, YHWH, se manifesta exclusivamente pela modalidade sonora. Quanto à manifestação pela modalidade visual, ela não se tornará concebível senão com o Deus dos cristãos. Com Jesus, ao mesmo tempo Deus e Homem, a noção do Deus invisível (theos aoratos / Deus absconditus: Col I,15) não é posta em causa e guarda todo seu valor nos meios de maioria judaica que formam a primeira Igreja cristã mas, pelo fato de sua dupla natureza (o Filho sendo «co-essencial», homoousios, ao Pai), se vem naturalmente a conceber que o primeiro seja a imagem do segundo. Dito de outro modo, o Filho, segunda hipóstase da Trindade, faz conhecer a primeira, em si e por princípio «desconhecida». A patrística oriental não deixará de aprofundar esta relação, se apoiando em todos os recursos da tradição grega: o Filho é para o Pai como a imagem de seu modelo. Esta interdependência repousa na concepção unitária fortemente afirmada cujas fórmulas como aquela de João X,30: «O Pai e eu não somos senão um» e ainda mais aquela da passagem XIV,9: «Quem me viu viu o Pai», são a expressão e por via de consequência o fundamento escriturário da «arte» dos ícones. Em termos filosóficos, o Filho, Verbo ou Logos, é para o Pai como a «definição» a «Aquilo que é definido». O Filho, unido indissoluvelmente ao Pai, disto é o revelador. Recorrendo a um simbolismo ótico mais concreto, Orígenes pôde, sem «subordinacionismo» suspeito, apresentar o Filho em relação ao Pai como o espelho em relação à fonte da imagem refletida: «a imagem que se forma no espelho se move e age seguindo os mesmos movimentos e os mesmos atos que aquele que se vê no espelho: a Semelhança é perfeita» (Peri Archon). Ele reforça esta comparação em In Ioannes XIII,25 definindo o Cristo como um «espelho imaculado … pelo qual Paulo, Pedro e seus semelhantes veem Deus conforme ao logion «aquele que me viu viu o Pai»…» Assim, de todas as partes, somos reconduzidos à Palavra do Cristo reportada por João e já citada. Ela é fundamental na visão do Filho como espelho do Pai que, em um contexto diferente, São Paulo teve talvez a presciência em sua primeira Epístola aos Coríntios XIII,12, quando distingue a visão «em um espelho» daquela «face a face». A princípio, esta palavra pôde servir de justificação — mesmo implícita — a diversas audácias e desvios iconográficos que, em um contexto pós-iconoclasta — devido ao enfraquecimento das mentes, de uma redução dos escrúpulos e do rigor — chegaram à representação do Pai.
Michel Henry: EU SOU A VERDADE [MHSV]
A mesma aventura (Nascido Cego) se repete no extraordinário diálogo com Felipe, depois da declaração essencial pela qual Jesus se designou em sua interioridade fenomenológica recíproca com Deus, dando sua própria aparição como aquela de Deus ele mesmo: «Ninguém não vai ao Pai senão por mim. Se vós me conheceis, conhecereis também meu Pai. Desde agora, vós o conheceis e vós o vistes». É então a demanda de Felipe, a demanda do mundo que faz apelo ao ver — «…Mostre-nos o Pai» — e a resposta do Cristo reafirmando sua identidade com o Pai e assim sua condição de Cristo, na medida que a aparição no mundo se encontra substituída pela revelação da Vida, seja a Revelação do Arque-Filho como auto-revelação desta Vida e assim como aquela de Deus ele mesmo: «Há muito tempo que estou convosco e tu não me conheces, Felipe! Aquele que me viu viu o Pai. Então como podes dizer: Mostre-nos o Pai? Não crês que eu sou o Pai e que o Pai está em mim?» (Jo 14, 7-10).