Joaquim Carreira das Neves, “Escritos de São João” [CNEJ]
Segundo Jo 20, 30-31, os sinais de Jesus têm por fim conduzir os leitores a acreditarem que Jesus é o Messias e o Filho de Deus e, assim crendo, tenham a vida n’Ele. Existe, pois, uma relação muito íntima entre os sinais e a fé e, entre a fé e a VIDA. Dito isto, há que perguntar: 1) O que são os sinais? 2) Qual a função dos sinais? 3) Qual a relação entre os sinais e a fé?
Em João, de modo um pouco diferente dos Sinópticos, sinal é um ato que confirma a verdade daquilo que Jesus disse ou revelou. Nos Sinópticos, sinal é um ato extraordinário vindo do céu (Mc 8, 11: “Apareceram os fariseus e começaram a discutir com ele, pedindo-lhe um sinal do céu para o pôr à prova”; cf. Mc 13, 4.22). Assim se explica que nos Sinópticos, os sinais sejam classificados em grego como dynamis-dynameis (poder-poderes ou força-forças extraordinárias), enquanto que em João semeion — semeia (sinal-sinais). Nos Sinópticos, o sinal confunde-se com o milagre, enquanto que em João tanto pode ser o “milagre” como outra ação.
No AT, o sinal é uma ação profética que significa uma intervenção divina de bênção ou de castigo (Is 7,14; Jr 13,12-14; 16, 1ss; 18, 1ss; 19, 1ss; 32, 8-16). Em João, este sentido também aparece, mas, geralmente, o sinal joânico tem sempre um sentido positivo, de bênção, por um lado, e de revelação, por outro lado. Os milagres (bodas de Caná, cura do filho do centurião romano, cura do paralítico de Betzatá, cura do cego de nascença, ressuscitação de Lázaro), são sinais do poder de Jesus conferir VIDA. E, como já vimos, é natural que, na primeira camada redacional do evangelho, existisse, de maneira autônoma, um evangelho dos sinais-milagres, bem à maneira da tradição sinóptica. Por isso se lê em 12, 37: “Embora Jesus tivesse realizado diante deles tantos sinais, não criam nele”. A este final juntar-se-ia o final de 20, 30-31.
Notemos também que João usa a palavra erga (obras) para a atividade mais vasta de Jesus, geralmente relacionada com a atividade conjunta com o Pai (4, 34; 5, 20.36; 6, 28-29; 7, 3.21; 9, 3. 4; 10, 32.37; 14, 12; 15, 24; 17, 4).Também estas obras de Jesus têm por objectivo a fé dos ouvintes (6, 29: para que acrediteis; 10, 37-38: “Se não faço as obras do meu Pai, não creiais em mim; mas se as faço, embora não queirais crer em mim, crede nas obras…”). E esta causalidade entre obras e fé que leva Jesus a dizer em 14,12: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que realizo, e fará obras maiores do que estas, porque eu vou para o Pai.”
Se os “sinais” e as “obras” se relacionam com a “fé”, todas as ações de Jesus no evangelho de João, que tenham a ver direta ou indiretamente com a fé, devem ser vistas como sinais. Assim acontece com a purificação do Templo (2,21 :”Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que ele o tinha dito e creram na Escritura”), com a ressuscitação de Lázaro (11, 42:”… para que venham a crer que tu me enviaste”), com a crucificação (19,35:”E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também”).
Embora o quarto evangelho se divida em duas partes: o livro dos sinais (Jo 1-12) e o livro da hora (Jo 13-20), a verdade é que toda a atividade de Jesus se pode incluir como um grande SINAL a ser descoberto pela fé. E se os sinais-milagres têm por fim dar a vida física e os sinais-dons (bodas de Caná e multiplicação dos pães e dos peixes) a vida da abundância messiânica, todos os “sinais” e todas as “obras” desaguam na VIDA da fé para a VIDA ETERNA. Neste particular é importante repararmos nos “sinais-dons” das bodas de Caná e da multiplicação dos pães e dos peixes, se tivermos em conta as tradições judaicas sobre os tempos da abundância messiânica em relação ao vinho (1Henoc 10, 19; 2 Apc. Bar. 29, 5) e ao pão-maná. Assim como Deus é o Senhor da VIDA, também o seu Filho e Messias se junta ao Pai e Criador para renovar esta VIDA física e espiritual — a vida da abundância divina em todo o seu sentido.
Parece estranho que Jo 4,48 apresente Jesus contrário aos sinais: “Se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não credes”. Mas já sabemos que a cura do filho do funcionário real (Jo 4,46,54) pertence à primeira camada redacional do evangelho, de acordo com os Sinópticos, que tem como pano de fundo a cristologia sinóptica do segredo messiânico, ao contrário da cristologia joânica fundamentada no grande sinal da glória de Jesus (1, 14: “E o Verbo fez-se homem / e veio habitar connosco. / E nós contemplamos a sua glória, / a glória que possui como Filho Unigênito do Pai, /cheio de graça e de verdade”). E se a fé anda ligada aos sinais, mormente ao grande sinal da Cruz, não admira que muitos não acreditem em Jesus como o sinal maior do Pai (12, 37-38; 9, 24-29). A afirmação de 9,39 resume muito bem este drama e dialéctica:”Eu vim a este mundo para proceder a um juízo: de modo que os que não veem vejam, e os que veem fiquem cegos.” A fé não depende diretamente dos sinais visíveis ou exteriores de Jesus, embora tais sinais, quando vistos à luz do Espírito, sejam importantes e decisivos, como acontece com a pessoa do discípulo amado, em contraste com a figura de Pedro (20, 8; 21, 7). E é por isso mesmo que o sinal maior de Jesus, em função da fé, continua sempre em aberto para além da sua vida terrena (20, 29: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que creem sem terem visto!”).