THOMAS MERTON — ENTRE O INSTINTO E A INSPIRAÇÃO
VONTADE DE DEUS E PURGAÇÃO
A santidade consiste na perfeita união da mente e da vontade com Deus. Isto significa a total consagração e submissão de todas as nossas faculdades à verdade e ao amor de Deus. Portanto, a obra inteira da nossa santificação, que, de um lado, se consuma pela razão e as virtudes e, do outro, pelo Espírito Santo através dos seus Dons, pode resumir-se na perfeita obediência de todo o nosso ser à vontade de Deus.
É por isto que a vida espiritual pode reduzir-se. a uma simples fórmula: fazer a vontade de Deus. A fórmula não deve ser exageradamente simplificada, nem é de aplicar-se mecanicamente e sem inteligência. Não deve jamais converter-se em rotina, pois Deus não quer uma santidade expressa na obediência de muares, mas no “culto espiritual”, que é próprio de seres dotados de liberdade e inteligência.
S. João da Cruz, com S. Tomás, sustenta que a razão e a virtude só podem levar-nos a uma limitada e relativa perfeição em nossa obediência a Deus. No primeiro nível, só um certo grau de união é possível. O trabalho da ascese ativa tem de ser completado passivamente pela intervenção delicadíssima do Deus Santificador.
No primeiro nível, a alma pode ao menos chegar a um estado em que a vontade rejeita os desejos contrários íà vontade de Deus, segundo o juizo da razão razão iluminada pela graça. Mas, como diz S. João da Cruz, “não intencionalmente e inconscientemente, ou sem ter o poder de fazer outra coisa (a alma) pode bem cair em imperfeições, pecados veniais e desejos naturais”.
Esses hábitos são como raízes vivas das quais, a despeito das nossas melhores intenções, sofremos a constante repetição das nossas imperfeições. A mais alta santidade exige a extirpação radical dos maus hábitos.
É uma obra que a razão sozinha não pode fazer. É necessária uma direta intervenção de Deus nas purificações passivas da alma. Não basta para tanto a “Noite” dos sentidos. A perfeita santidade não é consumada sem uma depuração radical do espírito através das chamas de um amor infuso, equivalentes, por seus efeitos espirituais, às próprias chamas do purgatório. Isto é a Noite Escura, a Noite da Alma.
S. João declara, sem hesitações nem ambiguidade, que a purificação ativa não basta para a perfeita santidade.
“Só posso dizer, para provar a necessidade da noite do espírito, que é purgação, para quem quer ir mais longe, que nenhum desses avançados, por mais que ele possa ter-se esforçado, é livre de muitos desses afetos naturais e hábitos imperfeitos, dos quais é necessária a purificação se a alma deve passar à divina união” .
Entretanto, essa purificação passiva e a santidade que a acompanha são dons de Deus. É bom que os desejemos. Podemos e até devemos rezar para isso. Mas somos incapazes de atingi-los. É a perfeição da ascese ativa, e um generoso e consciente cumprimento da vontade de Deus, que nos disporá a receber esses dons. Ainda uma coisa: Deus não empreenderá a purificação passiva do nosso espírito, a menos que Lhe demos primeiramente uma plena e inteligente cooperação na purificação preliminar dos sentidos interiores.