Merton Sementes de Contemplação 1

Thomas MertonSementes de Contemplação

1 A vida de qualquer homem, na terra, cada instante, cada acontecimento, semeia qualquer coisa na alma. Porque, assim como o vento leva milhares de sementes aladas, visíveis e invisíveis, também o curso de tempo traz consigo germens de vitalidade espiritual que vêm imperceptivelmente pousar no espírito e na vontade dos homens. Muitas dessas inúmeras sementes definham e perdem-se, porque os homens não estão preparados para as receber, porque são sementes que só podem germinar no fértil solo da liberdade e do desejo.

O espírito que está prisioneiro do seu próprio prazer e a vontade que está cativa do seu próprio desejo, não podem acolher as sementes de um prazer mais elevado e de um desejo sobrenatural.

Como posso eu, com efeito, receber as sementes de liberdade, se estou apaixonado pela escravidão, e como posso eu amar o desejo de Deus, se me encontro cheio de um desejo diferente e contrário? Deus não pode semear em mim a Sua Santidade, uma vez que me encontro prisioneiro e nem mesmo quero ser libertado. Amo o meu cativeiro, enclausuro-me no desejo das coisas que odeio e endureci o meu coração perante o verdadeiro amor.

Se fosse Deus que eu procurasse, cada acontecimento e cada instante depositaria na minha vontade sementes da Sua vida, que, algum dia, em prodigiosa messe haveriam de germinar.

Não há dúvida de que assim seria, porque é o amor de Deus que me aquece ao sol, é o amor de Deus que envia a chuva refrigerante. É o amor de Deus que me alimenta no pão que estou comendo, como é Deus que me alimenta se estou passando fome ou guardando jejum. É o amor de Deus que manda os dias invernosos, em que estou gelado e doente, e o causticante verão em que o trabalho me verga e o meu fato se alaga de suor, mas também é Deus que sobre mim adeja com o vento leve do rio e as brisas do bosque. É o Seu amor que sobre a minha cabeça estende a sombra do sicomoro e, à hora em que os trabalhadores repousam e os seus colaboradores, os animais, sob as árvores se imobilizam, faz surgir, à beira do trigal, o moço com o balde de água cheio na fonte.

É o amor de Deus que me fala no canto das aves e no murmúrio das águas, mas também Deus me faz ouvir os Seus decretos, ultrapassando o tumulto da grande cidade; tudo são sementes até mim trazidas pela Sua vontade.

Se tais sementes se enraizassem na minha liberdade e se a Sua vontade dominasse a minha independência, eu seria digno do Amor, que é Ele, e a minha messe viria a ser a Sua glória e a minha alegria.

Assim, eu cresceria, com milhares e milhares doutras liberdades, no ouro da imensa planície, que, regorgitando de abundância de trigo, celebraria louvores a Deus.

Se em todas as coisas apenas considerar o calor e o frio, o alimento ou a fome, a doença ou o esforço, a beleza ou o prazer, o êxito ou o fracasso, o bem ou o mal material que as minhas obras produziram por minha própria vontade, encontrarei apenas o vácuo e não a felicidade. Não estarei alimentado, não estarei saciado. Porque o meu alimento é a vontade de Aquele que me criou e criou todas as coisas, a fim de se dar a mim por intermédio delas.

A minha principal preocupação não deveria ser procurar prazer ou êxito, saúde, vida, dinheiro, repouso ou mesmo coisas como a virtude e a sabedoria, — e ainda menos os seus contrários, a dor, o insucesso, a doença, a morte. Mas em tudo que acontece, o meu único desejo e a minha única alegria deveriam provir de saber: «Aqui está aquilo que Deus quis para mim. Nisto se encontra o Seu amor e é aceitando-o que eu posso retribuir-Lhe esse Amor e, com este, entregar-me a Ele e elevar-me, dentro da sua vontade, até à contemplação que é a vida imortal».

E, recebendo a Sua vontade com júbilo, cumprindo-a com prazer, tenho o Seu amor no meu coração, porque a minha vontade é agora precisamente a que Ele quer e estou em via de tornar-me no que Ele é, — Ele que é Amor.

E, aceitando toda e qualquer coisa de Ele, acolho a Sua alegria na minha alma, não porque as coisas são o que são, mas porque Deus é Quem é e o Seu amor, através delas, quis a minha alegria.