Merton Raciocinio

Thomas Merton — Ascensão para a Verdade
A RAZÃO E RACIOCÍNIO
A ascese interior que S. João da Cruz exige da razão, é impraticável sem o mais alto heroísmo sobrenatural. Ela quer da razão uma fidelidade inviolável à fé, capaz de rejeitar o apelo dramático de cada estímulo sobrenatural que tender mais à glorificação da pessoa do que ao puro serviço de Deus. É um sacrifício da inteligência, mas ao mesmo tempo, a mais alta maneira de exercê-la; pois é o que protege a alma contra a ilusão.

S. João da Cruz é severo na sua crítica a contemplativos demais prontos a aceitar todas as mensagens interiores, isto é, todas as palavras e sentenças que parecem formar-se passivamente como se lhes fossem ditas em voz clara por Deus ou algum anjo.

S. João não cuida de saber se tais locuções podem ou não ser conexas com alguma graça realmente sobrenatural. Ele está convencido de que o hábito de recebê-las complacentemente é um obstáculo sério ao progresso na oração. Isso surpreenderá aqueles cuja leitura espiritual consiste principalmente em revelações e mensagens supostamente feitas por Nosso Senhor e seus santos e a mulheres piedosas. S. João declararia que, mesmo estando esses místicos de boa fé, muitas das mensagens supostamente celestes, vinham, de fato, deles mesmos. “O desejo de locuções, diz ele, e o prazer que elas trazem ao espírito, faz que muitos se respondam a si mesmos, pensando que é Deus que lhes fala. Cometem, assim, grandes desatinos se não se impõem um freio. . . Conheci uma pessoa que tinha essas sucessivas locuções, entre as quais algumas eram autênticas verdades, mas outras não passavam de heresia.”

O santo explica, em seguida porque se devem rejeitar, mesmo quando possam parecer verdadeiras, essas locuções. Criam na alma uma desnecessária atmosfera de atividade, em vez de deixá-la quieta para receber as inspirações realmente capazes de levar à união divina. Estas não são sentidas à maneira de palavras, pois a graça as inspira diretamente nas profundezas da alma. A seguinte passagem nos mostra que a razão deve cooperar com a graça, guardando a alma submissa à pura fé:

“O Espírito Santo ilumina o entendimento recolhido, e o ilumina segundo o modo do seu recolhimento. E o entendimento não pode encontrar maior recolhimento cio que na fé. E assim é na fé que o Espírito Santo o iluminará mais. Pois quanto mais pura e esmerada estiver a alma na fé, mais ela tem a caridade infusa de Deus. E quanto mais caridade tiver, mais será iluminada e enriquecida dos dons do Espírito Santo, porque a caridade é o meio e a causa da comunicação dos dons.”

Essa luminosa passagem serviria de resumo à mística de S. João da Cruz. Mostra-nos com a maior clareza a função da razão na vida mística: guardar a alma pura e recolhida na fé. Guardar o olhar da inteligência exposto à luz da verdade revelada, em vez de deixá-la a distrair-se com experiência emocionais de caracter mais espetacular e pessoal. Por que isso? porque a luz da fé abre caminho à caridade infusa. A santidade consiste na caridade, e quanto mais crescermos nela, mais o Espírito trabalha com as suas inspirações que nos levam à união divina, que é a perfeição da caridade. O santo conclui fazendo uma distinção entre a ação do Espírito através de locuções e a sua ação pelas virtudes teologais e os donos. Diz ele: “De uma maneira (por locuções) comunica-se à alma a sabedoria relativa a uma ou duas verdades, mas da outra comunica-se-lhe toda a sabedoria de Deus em geral, a qual é o Filho de Deus, que se dá à alma na fé”.

Deixarei por ora sem comentários este enunciado, a fim de não interromper o trabalho que resta a fazer no presente tópico. Veremos mais tarde um pouco mais desta comunicação do Verbo pela fé.