Thomas Merton — A Vida Silenciosa
Puritas Cordis (Pureza de Coração)
Definimos o monge como o homem que tudo deixa para procurar a Deus. Essa definição, porém, não significará muita coisa se não definirmos também a busca de Deus. Não é isso uma fácil tarefa. Pois Deus, como disse um dos santos Padres, está ao mesmo tempo em toda parte e não está em parte alguma. Como poderei encontrar Alguém que não está em lugar nenhum? Se o encontrar, eu mesmo não estarei em lugar algum. E se não estiver em nenhum lugar, como poderei dizer que ainda sou «eu»? Existirei, ainda, para regozijar-me de O haver encontrado?
Como posso achar Aquele que está em toda parte? Se está em todo lugar, está, em realidade, perto de mim e comigo e em mim; talvez acabe Ele sendo, de qualquer modo misterioso, eu próprio. Mas, então, ainda uma vez, se Ele e eu somos um, haverá um «eu» que se poderá regozijar por tê-l’O achado?
Deus, ensina a filosofia, é tanto imanente como transcendente. Por sua imanência, vive e age nas profundezas metafísicas íntimas de tudo quanto existe. Está «em toda parte». Por sua transcendência, está tão acima de todo ser, que conceito algum humano, limitado, pode conter e esgotar o Seu Ser, ou mesmo significá-lo, a não ser por analogia. Está tão elevado acima de todo ser criado que, do Seu Ser e do ser finito nem mesmo se diz «ser» no mesmo sentido unívoco. Comparado a Deus, o ser criado «não é»; comparado ao ser criado, Deus «não é». Pois Ele está tão acima de toda a criação que o conceito do Ser, aplicado a Ele, significa algo de basicamente diverso do que significa quando aplicado a tudo mais. Nesse sentido, Deus «não está em lugar algum».
O monge é alguém chamado por Deus a entrar nesse dilema e nesse mistério. É, porém, mais fácil para ele porque, geralmente, não é um filósofo. Não procura Deus pela especulação, mas por um caminho onde há mais probabilidade de O encontrar — a senda obscura e secreta da fé teologal.
O monge, portanto, é alguém que ouviu o Senhor proferir as palavras que uma vez falou pelo profeta: «Esposar-te-ei na fé e conhecerás que sou o Senhor» (Os 2, 20).
Diz-se que a alma unida a Deus O «encontra» num vínculo tão íntimo quanto o matrimônio. Esse vínculo é a união dos espíritos, na fé. Fé, aqui, significa inteira fidelidade, o dom total e o abandono de si mesmo. Quer dizer plena confiança num Deus oculto. Implica submissão à direção suave mas imperscrutável do Seu Espírito infinitamente oculto.
Exige a renúncia às nossas próprias luzes, à nossa auto-prudência e sabedoria e a todo nosso «eu», de maneira a viver em e pelo Seu Espírito. «Aquele que se une ao Senhor», diz S. Paulo, «é um só Espírito com ele» (1 Cor 6, 17).
Ser um com Alguém que não se pode ver, é estar oculto, é estar em lugar nenhum, é ser ninguém, é ser desconhecido como Ele é desconhecido, esquecido como Ele é esquecido; perdido, como Ele, para o mundo, que contudo existe n’Ele. Entretanto, viver n’Ele é viver pelo Seu poder, é alcançar de um extremo ao outro do universo na força de Sua Sabedoria, reger e formar, n’Ele e com Ele, todas as coisas. É ser instrumento oculto de Sua ação divina, ministro de Sua Redenção, canal de Sua misericórdia, mensageiro de Seu infinito amor.
Solidão monástica, pobreza, obediência, silêncio, e oração dispõem a alma para esse misterioso destino em Deus. O ascetismo, por si mesmo, não produz, como resultado direto, a união divina. Apenas dispõe a alma para a união. As várias práticas do ascetismo monástico têm, para o monge, valor maior ou menor, na medida em que o ajudam a realizar o trabalho espiritual interior que tem de ser efetuado para tornar-lhe a alma pobre, humilde e vazia, no mistério da presença de Deus. Quando os exercícios ascéticos são mal empregados, servem apenas para tornar o monge cheio de si e endurecer-lhe o coração na resistência à graça. Por isso é que todo o ascetismo monástico está centrado nas duas grandes virtudes de humildade e obediência. Não podem essas ser praticadas como devem sê-lo se não esvaziam o homem de si próprio.
- A HUMILDADE
- PURITAS CORDIS
- PURIFICAÇÃO DO CORAÇÃO