Merton Dons Espírito Santo

THOMAS MERTONASCENSÃO À VERDADE

Se existisse, e talvez exista, uma espécie de inspiração natural que de repente leve um afinador a tocar como um gênio, e faça um patinador medíocre rodopiar, de súbito, com a graça de um pássaro, isso daria uma idéia do efeito dos dons do Espírito Santo. A eles pode aplicar-se a fórmula teológica referente à graça que trabalha em nós, mas sem a nossa iniciativa: in nobis sed sine nobis. Os Dons nos afinam a inspirações especiais que nos capacitam a formar juizos e decisões sobrenaturais com uma facilidade e eficácia que seriam de todo impossíveis, se tivéssemos a mover-nos apenas as nossas faculdades, mesmo sob a direção da graça ordinária. Essas sugestões são mais que sugestões da graça. Elas fazem mais do que indicar uma ação à inteligência ou ao amor. Em vez de deixar nossas faculdades mover-se a si mesmas, o Espírito Santo age diretamente nelas, enquanto elas ficam passivas. A impressão que têm é que chegam, de repente a um novo nível de conhecimento (gnosis) sobrenatural ou a um mais intenso grau de amor, sem terem a menor idéia de como o alcançaram.

É, ainda, importante pensar que as inspirações do Espírito Santo pelos Sete Dons, não são, geralmente, dramáticas e espetaculares nem por seu objeto nem por seu modo de atividade. Depois de ler as vidas dos santos e as experiências dos místicos, algumas pessoas ficam convencidas de que a vida mística deve ser algo de uma ópera wagneriana. Coisas tremendas acontecem todo o tempo. Cada nova moção do Espírito é anunciada por trovões e faíscas. Os céus se abrem e a alma evola-se do corpo numa explosão de supra-terrena e resplandecente luz. Aí ela encontra Deus face a face, no meio de um grande Turnverein de santos e anjos de trombeta, a voar e a cantar. Há, então, uma eloquente troca de impressões entre Deus e a alma, num dueto que durará no mínimo sete horas, pois sete é um número místico. Tudo isso pontilhado por terremotos, eclipses do sol e da lua, e explosão de bombas supersubstanciais. Eventualmente, depois de um curto ensaio musical do Fim do Mundo e do Último Juízo, a alma numa graciosa pirueta retorna ao corpo, e o místico volta a si para descobrir que está rodeado de irmãos cheios de admiração, inclusive um qu dois a tomarem suas notas na previsão de algum futuro processo de canonização.

É, em geral, certo dizer que o ruido e agitação na vida interior são sinais de inspirações saídas de nossas emoções ou de algum espírito que é tudo que quiserem, menos o Espírito Santo. As inspirações do Espírito Santo são quietas, porque Deus fala nas profundezas silenciosas do espírito. Sua voz traz a paz. Ela não levanta excitações, mas as aplaca, pois elas pertencem à incerteza, ao passo que a voz de Deus é certeza. Se Éle nos move à ação, avançamos com uma força pacífica. Na maioria das vezes, suas inspirações nos ensinam a ficar quietos. Mostram-nos o vazio e a confusão de projetos que pensávamos ter feito pela glória de Deus. Salva-nos dos impulsos que nos lançariam em rude competição com os outros homens. Livra-nos da ambição. É mais fácil reconhecer o Espírito Santo na obediência e humildade que Ele inspira. Não o conhece ainda aquele que não saboreou a tranquilidade que acompanha a renúncia da nossa própria vontade, do nosso prazer, dos nossos interesses, sem glórias, nem notícias, nem aprovação, atenta ao interesse de outra pessoa. As inspirações do Espírito Santo não são grandiosas. São simples. Movem-nos a procurar a Deus em trabalhos que são difíceis sem ser espetaculares. Levam-nos por caminhos que são felizes por ser obscuros. É por isto que sempre nos comunicam um sentimento de liberação. “Ele é o Espírito de Verdade”. (Jo. 14,16), e “a verdade vos libertará”. Suas inspirações fazem-nos puros. Livram-nos da grosseria e da limitação.

E à luz do Espírito Santo podemos ser ao mesmo tempo felizes e tristes. Felizes por causa da verdade de Deus, tristes por causa do que fomos. Felizes também pelo que sabemos que seremos. Achamos força e humildade, desenvoltura e cautela, unidas sob esta luz que nos enchendo de um amor miraculoso, nos ensina o caminho do conhecimento (gnosis) nas trevas.

Ainda uma coisa: a luz do Espírito Santo não nos deixa complacentes conosco mas com Deus só. E se nela não ficamos descontentes conosco, é pela profunda união com Deus que ela nos comunica: Deus é tudo que amamos, e mais os outros homens.

A luz do Espírito Santo não se confunde com a admiração em que se tem o Fariseu que ama a sua própria imagem.