Agostinho de Hipona — Sermões para a Páscoa
Excertos da tradução portuguesa da introdução de Suzanne Poque
Manhã de Páscoa.
Cinco dos sermões da manhã de Páscoa comentam o Prólogo de S. João. São eles os S 119, 120, 121, 225 e 226. O texto fora escolhido por causa do versículo 12: «Deu-lhes o poder de se fazerem filhos de Deus» e já vimos que Agostinho o aplica aos recém-batizados. Não nos fará estranheza ouvi-lo comentar o primeiro versículo com o desenvolvimento habitual da analogia com a palavra humana. Uma alusão aos versículos 4 e 5 leva outra vez o pensamento para os infantes vestidos de branco, com um desenvolvimento sobre a luz, onde entram os textos do Gn 1, 5: «E existiu a luz»; do Sl 117, 24: «Este é o dia que o Senhor fez»; de Ef 5, 8: «Antes éreis trevas, agora sois luz no Senhor»; e alguma vez do Sl 35, 10: «Na luz de Deus veremos a Luz.»
O sermão 228, proferido uma manhã de Páscoa, não comenta o texto de S. João, mas dirige uma exortação moral aos recém-batizados. Por fim, os sermões 230 e Guelf. 8 tratam também da luz, da alegria da Páscoa e do bom comportamento dos fiéis, especialmente da temperança que devem guardar, com evidente paralelismo dos desenvolvimentos e dos textos (SI 117; Rm 13, 17; I Tes 5, 2).
No ano em que empreendeu o comentário da epístola de S. João, Agostinho sublinha primeiro a alegria própria da solenidade e inicia a sua prática por um desenvolvimento da perícope evangélica (Jo 1,4), depois a propósito do Sl 18, 6 celebra os desposórios em Cristo da divindade e da humanidade, de Jesus e da Igreja. E dedica um parágrafo aos infantes e à vida nova que receberam.
Estas seis pregações são sermones ad populum (sermões ao povo). Os sermões 227 e 272; Denis 3 e 6; Guelf. 7, são catequeses eucarísticas, comentam para os infantes o sacramento da mesa do Senhor. Despedidos aos catecúmenos, o bispo tomava a palavra depois de colocadas sobre o altar as obla-tas, às vezes antes da liturgia da consagração (S Di-nis 9; Guelf. 7), mais ordinariamente, conforme parece, depois.
Mostrava o pão e o vinho sacramentai e revelava aos infantes a realidade eucarística: «Vedes pão e um cálice. Isto é o que vos dizem os olhos, mas a vossa fé tem que ser ensinada: o pão é o corpo de Cristo, o cálice tem o sangue de Cristo» (S 272).
Aos recém-batizados que já na noite pascal participaram do sacramento do altar, explica os ritos pela ordem em que se sucedem. Sublinha a extrema simplicidade deles: «Depressa se diz sem livro, sem leitura, sem longa alocução» (S Guelf. 7,3).
A citação da I Cor 10, 17, em forma abreviada, particular a S.to Agostinho: unus panis, unum cor-pus, multi sumus, encontra-se em todas as homílias (salvo em S Dinis 6), como ponto de arranque ou como conclusão de uma demonstração que se pode esquematizar assim: este pão é o corpo de Cristo; pelo batismo sois membros do corpo de Cristo; vós sois este pão; conservai a unidade que ele significa.
Vê-se que S.to Agostinho passa com muita naturalidade do corpo sacramentai de Cristo que está sobre o altar para o Cristo total, cabeça e membros. Assim o sinal do sacramento contém para ele, de maneira por assim dizer objetivada, a graça da unidade que deve produzir: «Este pão é o corpo de Cristo de que fala o Apóstolo quando se dirige à Igreja: Vós sois o corpo de Cristo e seus membros» (S Guelf. 7). E ainda: «Se quereis compreender o que é o corpo de Cristo, ouvi o Apóstolo quando diz aos fiéis: Vós sois o corpo de Cristo e seus membros. Portanto, se sois o corpo de Cristo e seus membros, a misteriosa realidade do que sois está posta sobre a mesa do Senhor, esta misteriosa realidade vós a recebeis. Ao que sois respondeis Amen e, respondendo Amen subscreveis, firmais o que sois» (S 272). E mais: «Vós estais sobre a mesa e dentro do cálice. Vós sois isto connosco. Somo-lo juntos, porque juntos o vivemos» (S Dinis 6). «Pela sua misericórdia, o que nós recebemos, nós o somos» (S 272).
Cada uma das homilias apresenta a mesma ilustração desta realidade. É a narração da fabricação do pão místico. «Não existíeis e fostes criados, isto é, postos na eira do Senhor, onde o trigo foi batido pelo trabalho dos bois, isto é, dos mensageiros do Evangelho; enquanto esperáveis no catecumenado, estáveis de reserva no celeiro; destes os vossos nomes e fostes moídos pelos jejuns e exorcismos. Depois encaminhastes-vos para a água e fostes amassados para não serdes mais que uma só coisa. Com o calor do Espírito Santo passastes por uma ação como de cozimento e viestes a ser pão do Senhor» (S Dinis 6). O sacramento do pão é o sacramento da unidade, ideia que todas as homílias põem em realce e valor: «Já que o que se realizou é um, vós também o sois, amando-vos, guardando uma única fé, única esperança, um indivisível amor» (S Dinis 6).