Loyola Exercicios Semana 4

Exercícios Espirituais — A quarta semana
A quarta semana
A quarta semana é inaugurada pela contemplação do Cristo ressuscitado — Como Nosso Senhor apareceu a Nossa Senhora — e prossegue com meditações sobre as diferentes aparições de Cristo até a Ascensão.

É uma semana que inunda de alegria e de exaltação, se assim se pode dizer. Desde seu despertar, o retirante é convidado a participar da alegria de Cristo e até de utilizar-se, para favorecer essa alegria espiritual, das circunstâncias atmosféricas: claridade do dia, momento de frescor no verão, raios de sol e tepidez passageira no inverno. Há nisto uma preocupação muito característica do temperamento profundo de Santo Inácio, poeta, admirador fervoroso da música e do céu estrelado: associar a criação acabada ao triunfo da ressurreição e especialmente pelas ressonâncias que a natureza desperta numa sensibilidade corporal humana. O irmão corpo será, aliás, mais bem tratado no decorrer deste último período. Primeiro, ele não fará mais que quatro exercícios, em vez de cinco, e é o exercício de meia-noite, o mais penoso, que é suprimido. E depois, em vez de penitência, contentar-se-á com temperança, não sem observar as prescrições habituais a respeito da abstinência e do jejum.

Em seguida, aparece no programa da quarta semana a grande contemplação para conseguir o amor, célebre contemplatio ad amorem, que os comentadores, de bom grado, consideram como um ápice da mística inaciana.

Começa com breve observação, mais rica em sua concisão do que um longo tratado: “Deve-se colocar o amor mais nos atos que nas palavras”, e prossegue com uma composição de lugar. Aí, então, tentará ver-se na presença de Deus, dos Anjos e dos Santos e pedindo ao Senhor um conhecimento dos bens recebidos, de modo a sentir um grande reconhecimento.

Esta apreensão pelo espírito dos bens dados por Deus, e especialmente do dom que Ele faz de si mesmo à sua criatura — com o corolário de que, em troca, o homem deve tudo dar a Deus, incluindo a si mesmo — ocupa o primeiro ponto. O segundo ponto propõe perceber a presença divina em toda a criação. O terceiro, considerar como esta presença é ativa ao mesmo tempo no homem e no universo. O quarto consiste em considerar que todos os bens, todos os dons vêm do alto e que todas as virtudes, justiça, piedade, caridade vêm de Deus, como as águas correm de sua fonte e os raios de luz descem do Sol.

Há uma belíssima fantasia lírica nesta página, análoga, no fim dos Exercícios, a uma imensa rosácea, onde seria evocado o Deus de Majestade. Página de teologia, disseram, como se Santo Inácio tivesse querido mostrar que sabia expor as verdades fundamentais do dogma. Trata-se, porém, de coisa bem diferente e o título mesmo da meditação, para alcanzar amor (para alcançar o amor), é significativo. Alcanzar quer dizer exatamente perseguir, procurar, atingir. A análise nocional dos dons de Deus e dos modos de sua presença ou de sua ação não está aqui, oferecida só à inteligência, mas também ao coração. Uma imitação de Jesus Cristo de um novo gênero é proposta ao retirante: que dê a Deus o que lhe pode dar — isto é, tudo — em troca das liberdades recebidas. E se lhe for ainda necessário aumentar em si o desejo de louvar a Deus, que olhe o mundo e se deixe levar pelo arroubo da admiração.

Mas todo este comentário permanece forçosamente na superfície. É certo que para Inácio de Loyola a meditação ad amorem nada mais era que a tradução em palavras humanas de uma experiência íntima, de uma contemplação que já lhe era familiar e de uma união com Deus da qual ele queria — e esse era o sentido de sua vida — comunicar aos outros o inefável segredo.

A quarta semana termina por um aditivo que desconcerta com dupla razão: por que esses tardios conselhos sobre as , três maneiras de rezar? Não deveriam eles ter ocupado lugar muito mais cedo? É provável, responder-se-á, que na ocasião de se separar de seu retirante, Santo Inácio lhe quisesse dar, como viático, o fruto de sua própria experiência da vida de oração. O que surpreende, porém, mais ainda é a natureza desses métodos de oração.

A primeira é antes uma meditação que diz respeito aos dez Mandamentos, aos pecados capitais, às faculdades da alma e aos cinco sentidos do corpo humano. O exercitante examina, sob estes quatro pontos de vista diferentes, suas insuficiências e prepara sua alma para o aproveitamento espiritual.

“A segunda maneira de rezar é que a pessoa, de joelhos ou sentada, conforme está disposta e encontra maior devoção, permaneça com os olhos fechados ou fixados num lugar, sem movê-los e diga: “Pater” e fique considerando esta palavra tanto tempo quanto nela encontrar significações, possibilidades de comparação, gosto e consolação nas considerações que convém a uma tal palavra, e que aja do mesmo modo em cada palavra, do Pater Noster ou de qualquer outra oração à qual quiser aplicar esta maneira de rezar.”

Estas normas, que se poderiam aproximar das técnicas de oração orientais, Santo Inácio pôde elaborá-las inspirando-se no Exercitatorio de Garcia de Cisneros, que prescreve àquele que reza, quando está sozinho, ficar com os braços levantados como Aarão, ou de joelhos, como Cristo no Monte das Oliveiras, ou ainda prostrado, como Maria Madalena aos pés do Salvador, ou, enfim, com os braços em cruz.

Assim também Garcia de Cisneros sugere ao monge, que se inicia na via iluminativa, demorar-se amorosamente em determinado artigo da meditação, deixando sua alma inflamar-se de ardor. Pouco importa se todo o tempo da meditação se escoa assim, apreciando um só artigo.

Santo Inácio encara também esta eventualidade: encontrando-se no Pater uma ou duas palavras ricas de consolação, convém passar toda a hora de preferência a recitar o resto da maneira habitual. Assim, pode-se levar um ou vários dias para terminar o Pater.

A terceira maneira de rezar é mais surpreendente ainda: Santo Inácio chama-a por compasso. Pode-se traduzir por em medida, ou ritmicamente. Ela consiste, “a cada inspiração ou expiração, rezar mentalmente dizendo uma palavra do Pater Noster ou de uma outra oração que se diga de modo que só uma palavra seja pronunciada entre a aspiração do ar e sua expulsão e que no tempo que separa uma respiração da respiração seguinte considere-se sobretudo o sentido da palavra pronunciada ou a pessoa a quem se dirige a oração ou a própria baixeza ou ainda a diferença entre tão grande dignidade desta pessoa e o grau de sua própria baixeza”.

Uma coisa impressiona nesses diversos processos: mobilizam todas as forças da atenção, ao mesmo tempo sobre o conteúdo da oração e sobre as condições nas quais é dita. Desde São Bernardo, todos os monges praticam de uma forma ou de outra a oração metódica — e a salmodia não é mais que uma oração rítmica a que se acrescenta o canto. Santa Teresa de Ávila fazia questão de familiarizar suas religiosas com esse gênero de oração, o mais afastado possível de uma recitação distraída: “Que triste figura faria a oração vocal, escreveu ela, se não estivesse acompanhada da oração mental.”

Há mais, ainda. Pode-se indagar se este método, que durante um certo tempo torna a oração co-extensiva, diriam os filósofos, com a vida mesma, com o sopro vital, não representava aos olhos de Santo Inácio um esboço de sacralização favorável à irrupção das graças infusas.

Os Exercícios Espirituais propriamente ditos terminam, mas Santo Inácio expõem, num novo anexo, quatro séries de regras. As duas primeiras são consagradas ao discernimento dos espíritos, a terceira se relaciona com o ministério da distribuição das esmolas, a quarta ajuda a descobrir e reconhecer os maus escrúpulos e a última ensina como permanecer em união de “sentimentos”, isto é, de doutrina, com a Igreja militante. Admite-se que as Regras sobre as esmolas foram redigidas em Paris: Santo Inácio teria constatado — na cidade onde fora buscar o saber e onde estabelecera os primeiros fundamentos de sua Companhia — que os clérigos eram particularmente ávidos de benefícios. Esta experiência deve ter-se renovado muito freqüentemente alhures, visto como achou conveniente manter, após 15 anos, suas recomendações. Foi igualmente em Paris e no ambiente um tanto heterodoxo dos primeiros tempos da Reforma, que teria sentido a necessidade de redigir suas Regras sobre a comunidade de sentimento com a Igreja. É, porém, igualmente provável que algumas dentre elas foram concebidas por Santo Inácio durante sua estada em Alcalá de Henares, numa época em que se tinha tendência de confundi-lo com um alumbrado, um “iluminado”, e em que outras, enfim, nasceram no Norte da Itália.

Em compensação, as Regras sobre o discernimento dos espíritos são muito mais antigas. Remontam, em seu primeiro princípio, da época em que Santo Inácio começou a se converter e meditou sobre os movimentos de sua alma nesta época em que se convertia. Quando ele as publicou, elas tinham 25 anos de idade, um quarto de século. É significativo que Santo Inácio as aponha, como um selo de garantia, nas páginas terminais de seu pequeno trabalho.

Elas se classificam em duas séries: uma de quatorze regras a serem submetidas ao retirante no decorrer da primeira semana; a outra, de oito, que é necessário meditar durante a segunda semana. É a segunda série que aqui será exposta, mais breve e de pensamento mais denso. É também, psicologicamente, mais sutil.

PRIMEIRA REGRA. Ê próprio de Deus e de seus Anjos, em suas moções, dar verdadeiramente contentamento e alegria espiritual, tirando toda tristeza e preocupação que o inimigo introduz — cujo próprio fim é combater contra essa alegria e consolação espiritual, trazendo razões aparentes, sutilezas e embustes assíduos.

SEGUNDA REGRA. Somente Deus Nosso Senhor pode dar consolação à alma sem causa antecedente; de jato, é próprio do Criador entrar, sair, fazer propostas à alma, atraindo-a toda ao amor de sua divina Majestade. Quer dizer: sem causa, sem nenhuma prévia percepção sensível, nem conhecimento intelectual de nenhum objeto pelo qual venha esta consolação, por meio de atos da alma, do entendimento e da vontade.

TERCEIRA REGRA. Com uma causa exterior, o Anjo da Guarda pode consolar uma alma, assim como o anjo mau, com fins contrários: o anjo bom, para a vantagem desta alma, a fim de que se engrandeça e se eleve do bem para o melhor; o anjo mau, pelo contrário, para levar em seguida esta alma para sua intenção pervertida e sua malícia.

QUARTA REGRA. É peculiar ao anjo mal tomar a forma “sub angelo lucis” (com a aparência do anjo da luz), para cair nas boas graças da alma devota e arrastá-la consigo; isto é, trazer pensamentos bons e santos, de acordo com esta alma justa, e em seguida, pouco a pouco, procurar chegar a seus fins, levando a alma para seus embustes dissimulados e suas perversas intenções.

QUINTA REGRA. Devemos ter muito cuidado com o encadeamento dos pensamentos; e se o começo, o meio e o fim são todos bons, totalmente inclinados para o bem, é o sinal do anjo bom; mas se no encadeamento dos pensamentos que desenvolve, a alma termina numa coisa má ou que cria desvio, ou menos boa que aquela que antes se propusera fazer, ou que enfraquece a alma ou a inquieta ou a perturba, tirando-lhe a paz, tranqüilidade e quietude que tinha antes, é um claro sinal de que o ponto de partida é o espírito mau, inimigo de nosso aperfeiçoamento e de nossa salvação eterna.

SEXTA REGRA, Quando o inimigo da natureza humana estiver desvendado e conhecido pela sua cauda de serpente e pelo mau fim a que leva, convém à pessoa que foi tentada por ele considerar imediatamente o encadeamento dos bons pensamentos que teve, o seu começo e como pouco a pouco o inimigo procurou fazê-la descer da suavidade e da alegria espiritual, em que se encontrava, até levá-la para sua intenção depravada; a fim de que com uma experiência desse gênero, reconhecida e anotada, guarde-se, no futuro, dos costumeiros embustes do inimigo.

SÉTIMA REGRA. Naqueles que se elevam do bem para o melhor, o anjo bom toca a alma de maneira doce, leve e suave, como uma gota de água que entra numa esponja; e o anjo mau toca de maneira aguda, com barulho e turbulência, como quando a gota de água cai sobre a pedra; e àqueles que caminham do mal para o pior, os espíritos de que falei tocam de maneira contrária; a causa disto é a disposição da alma, conforme seja contrária a esses anjos ou lhes seja semelhante; de fato, quando é contrária, os anjos entram com barulho e de tal modo que se sente sua vinda perceptivelmente; e quando é semelhante, o anjo entra em silêncio, como em sua própria casa, a porta aberta.

OITAVA REGRA. Quando a consolação é sem motivo, sendo admitido que não haja nela embuste porque é só de Deus Nosso Senhor, como ficou dito, a pessoa espiritual a quem Deus dá essa consolação deve, entretanto, com muita vigilância e atenção, considerar e discernir o tempo oportuno para essa consolação atual, a fim de distingui-lo do tempo seguinte, em que a alma continua fervorosa e favorecida pela graça e os restos da consolação passada; de fato, muitas vezes, neste segundo tempo, por causa de seu próprio encadeamento de hábitos mentais e das conseqüências lógicas arrastadas por seus conceitos e julgamentos, ou pela ação do bom e do mau espírito, a alma forma diversas resoluções e deliberações, que não são dadas imediatamente por Deus Nosso Senhor; eis por que elas têm necessidade de ser muito bem examinadas antes de se lhes dar inteiro crédito e pô-las em prática.