LOUVAÇÃO
Francisco de Assis
Excertos do estudo do Cântico das Criaturas, por François Chenique
A célebre prédica aos pássaros surge da mesma ideia (de louvor à criação): os pássaros são exortados a louvar o Criador que os chamou à vida e provê a sua subsistência. Eles são repetidamente citados no Evangelho, notadamente no apelo ao desapego das preocupações terrenas (Mateus, VI, 26), quando Jesus diz, expressamente, que os pássaros não entesouram nem colhem, mas o Pai Celeste cuida deles. Os pássaros, para São Francisco, eram uma lembrança das palavras evangélicas, e também um exemplo concreto da Providência, na qual ele acreditava com tanta firmeza.
O amor de São Francisco pelas criaturas ia, em primeiro lugar, precisamente, para aquelas que lhe faziam lembrar a vida cristã. A água recordava-lhe o batismo e a purificação. Sua veneração por ela se fazia tão grande que, ao lavar as mãos, escolhia um lugar onde as gotas, tombando de seus dedos, não pudessem ser pisadas. Caminhava sobre as pedras e os rochedos com precaução, porque via neles o rochedo do deserto, e, sobretudo, a pedra angular, símbolo de Cristo. Se um irmão abatia uma árvore, ele lhe pedia que conservasse uma parte de cada tronco, a fim de dar àquela árvore a possibilidade de reverdecer, e isso fazia em memória do madeiro sagrado da Cruz. Ao jardineiro, pedia que fizesse uma orla de flores nos canteiros dos legumes, a fim de que seus irmãos, considerando a beleza das flores, fossem incitados a um reconhecimento maior para com Deus. As flores levavam-no a recordar os lírios dos campos, que não fiam nem tecem. (Mateus, VI, 28.)
Seu amor pelos animais levava-o a construir ninhos para as rolas ou a afastar do caminho um bicho rasteiro que se -arriscava a ser esmagado, ou a levar mel às abelhas, no inverno. Os animais apegavam-se a ele: “Louvado seja o nosso Criador, meu caro irmão faisão”, dizia ele a uma ave que um dos seus protetores lhe havia oferecido. E o faisão ficava a seu lado, sem desejo de conhecer outro companheiro. Mais perto de nós, um grande sábio da índia moderna, Sri Ramana Maharshi, tinha grande afeição pelos animais do ashram de Arunachala. O Maharshi era um grande jnani, e seguia, portanto, um caminho puramente intelectual, mas seu comportamento em relação aos animais faz lembrar São Francisco1. Essa atitude derivava, tanto em um como no outro, apesar das diferenças reais do caminho espiritual, de uma autêntica visão intelectual do mundo criado, isto é, em definitivo, de uma perfeita atitude contemplativa. “Porque toda criatura diz e proclama: ‘Homens, Deus fez-me para vós!’. Nós, que vivemos com ele, diz um cronista, víamos como se regozijava interior e exteriormente, a tal ponto, por todas as coisas criadas, que, quando as tocava ou as contemplava, seu espírito parecia estar no céu, e não sobre a terra.”
São Francisco, porém, era particularmente grato a Deus pela criação do Sol e do fogo. “Pela manhã” — dizia ele — “quando o sol se levanta, todos deveriam louvar a Deus que criou aquele astro em seu benefício, pois é a ele que devem a possibilidade de ver todas as coisas. E à tarde, quando a noite chega, todos os homens deveriam louvar a Deus pela criação do nosso irmão, o fogo, que dá luz aos nossos olhos durante a escuridão. Porque, pelo nascimento, somos todos cegos, mas Deus empresta sua luz aos nossos olhos por intermédio desses dois irmãos!”
NOTAS
Sri Ramana Maharshi era um jnani puro, isto é, um iogue que segue um caminho do conhecimento (jnana marga). Maharshi entrou em mahasamadhi, no dia 14 de abril de 1950; sobre sua atitude para com os animais, v. Arthur Osborne. Sri Ramana Maharshi, cap. XI. A mesma atitude tornamos a encontrar no Swami Ramdas; v. Arnaud Desjardins. Ashrams, les yogis et les sages, p. 143. ↩