Apoiada nos princípios mais gerais do sistema, a tese defendida por Tomás de Aquino aparece logicamente inatacável. Ei-la em termos perfeitamente claros (I, q. 86, a. 1):
“Nossa inteligência não pode captar de modo direto e imediato o singular nas coisas materiais. A razão disto está no fato de o princípio da singularidade, em tais coisas, ser a matéria individual.
Ora, nossa inteligência, como foi dito, procede em seu ato abstraindo desta matéria a “species”, e o que é abstraído da matéria individual é universal.
Nossa inteligência diretamente atinge só o universal. Pode todavia atingir o singular, mas de modo indireto e por uma certa reflexão, indirecte et per quamdam reflexionem; isto se explica pelo fato de que mesmo após ter abstraído a “species” inteligível, só pode, por seu intermédio, conhecer em ato, sob a condição de se voltar para as imagens nas quais capta a dita “species” (cf. De Anima, III, c. 7 431 b 1). Assim, capta diretamente o universal por meio da “species” inteligível, e. indiretamente os singulares com os quais os fantasmas se relacionam.”
(Cf. Igualmente sobre esta doutrina: Ia Pa, q. 14, a. 11; q. 57, a. 2; Quaest. Disp. de Anima, a. 20; De Veritate, q. 10, a. 5) .
Como se deve representar esta “convertio ad phantasmata” que está no princípio do conhecimento indireto do singular? Antes de tudo, é certo que não se trata aqui de uma outra “convertio”, diferente da que foi falada quando se perguntou se seria possível conhecer intelectualmente sem imagens. Mas pode-se precisar como se efetua esta volta? Eis como no De Veritate (q. 10, a. 5), Tomás de Aquino no-lo apresenta:
“O espírito, todavia, consegue ingerir-se nas coisas particulares enquanto se prolonga pelas potências sensíveis que têm por objeto o singular… E assim conhece o singular por uma certa reflexão, enquanto conhecendo seu objeto, que é uma natureza universal, chega ao conhecimento de seu ato, e ulteriormente à “species” que está no seu princípio, e enfim ao fantasma donde as espécies foram abstraídas; é assim que tem um certo conhecimento do singular.”
É, portanto, tomando consciência da origem de seu ato que a inteligência capta o singular: este, sobre o qual reflete, tem por princípio a “species” que lhe parece provir das imagens. Sendo o objeto destas sempre particularizado, a inteligência, pelo prolongamento do conhecimento sensível, atinge assim o singular, mas como o singular é apreendido diretamente só pelas potências sensíveis, trata-se então só de um conhecimento indireto. Pode-se ir mais além nesta determinação e admitir que a inteligência, nesta atividade, faz uma concepção própria do singular?
As precisões dos comentadores: o conhecimento “arguitivo” de Cajetano. Cajetano (in Iam Part. q. 86, I, VII) estima que do singular assim apreendido temos só um conceito estranho, isto é, que não o representa propriamente, embora convenha só a ele.
Tomemos uma comparação. Se falamos da sabedoria infinita, pensamos em uma coisa da qual não temos conceito próprio, mas somente um conceito inadequado. Assim também para o singular. Embora compreendamos o que é o singular universalmente considerado, não concebemos o que é em particular a “socrateitas”, mas concebemos em nós o que é o “homem” e a “singularidade”, e que o “homem”, donde não subsiste por si, arguimos e concluímos por um conhecimento quididativamente não representável, a saber a “socrateitas”, que na realidade existe uma coisa singular diferente do universal “homem”. Não nos representamos, pois, formalmente o singular, mas o concluímos em um conceito estranho, que o compreende de algum modo e de maneira confusa, e depois de uma reflexão sobre sua origem singular. O conceito de “Sócrates” é tão somente o conceito de “homem” colocado em relação, por uma espécie de raciocínio implícito, com este indivíduo singular que percebo pelos sentidos.
O conceito próprio e distinto do singular em João de Tomás de Aquino. João de Tomás de Aquino não adota esta maneira de ver (cf. De Anima, q. 10, art. 4). Para ele, se não se tem uma representação direta e adequada do singular, tem-se dele contudo um conceito próprio e distinto. Sem isso estaríamos na impossibilidade de discernir uns dos outros os diversos indivíduos e de ter juízos perfeitamente determinados como estes: “Pedro é homem”, “João não foi o Cristo”. Esta opinião parece distinguir-se da precedente no fato de que, segundo ela, para que se determine singularmente o conceito basta, quando percebida, a relação de origem com referência à imagem, sem que seja necessário apelar para uma espécie de raciocínio. Resta que em ambas estas explicações existe um conceito de Sócrates que, em referência ao conhecimento sensível, convém só a ele
João de Tomás de Aquino percebeu bem que sua teoria não deixava de apresentar dificuldades. Como, com efeito, conciliá-la com a tese exposta, fundamental no peripatetismo, do primado do conhecimento do universal? Se cada conceito deve ser referido a uma imagem que é representativa do singular, não haverá, na origem, tão somente conceitos, embora indiretos, mas próprios e distintos do singular? Foi respondido negativamente (loco citato) pois o que determina o conceito é aquilo para o qual tende o movimento do pensamento. Ora, este movimento, na apreensão do objeto, pode-se dirigir quer para o universal, quer para o singular que representa. No primeiro caso, tem-se o conceito universal (e só ele representa direta e adequadamente seu objeto), no segundo caso, o conceito singular (que o representa só indireta e inadequadamente). É, pois, por uma atividade psicológica contínua que se passa do universal para o particular, tese esta que tem a vantagem de dar à vida do espírito uma atividade concreta, que a distinção demais rígida das faculdades e de seus objetos arrisca-se a esquecer. É, definitivamente, um mesmo sujeito que pensa e que imagina, capta o singular e apreende o universal: e o que era preciso separar, legitimamente aliás, deve ser em seguida retomado na unidade de uma só consciência viva. (Gardeil)