sentidos externos

A presente exposição tem por fundamento os textos aristotélicos do “De Anima” (II, c. 5-12) e do “De Sensu et sensato”. Tomás de Aquino retomou, no seu conjunto, a teoria de Aristóteles, orientando-a e equilibrando-a de maneira um pouco diferente (cf. ainda os comentários dos textos precedentes: S. Th. Ia Pa, q. 78, a. 3; Quaest. disp. De Anima, a. 13. Os comentadores, especialmente João de Tomás de Aquino (Cf. Curs. phil., De Anima, q. 4 e 5) não deixaram de dar precisões que lhes são próprias. Será necessário, servindo-se de todas estas fontes, salientar a contribuição pessoal de cada um.

Número dos sentidos externos.

Como se distinguem os sentidos entre si? Não pelos órgãos, pois estes são relativos aos sentidos. Nem tampouco, e pela mesma razão, pelos meios: Abstratamente consideradas, as qualidades sensíveis são apenas inteligíveis e, portanto, aqui não servem para nada. Resta que os sentidos se diferenciam por aquilo que lhes convém formalmente, isto é, pelo seu sensível próprio (cf. S. Th., Ia Pa, q. 78, a. 3; Quaest. Disp. de An., a. 13).

A partir deste princípio, distingue Aristóteles os cinco sentidos que se tornaram clássicos (De Anima, II, c. 6 ss). Não é dada nenhuma razão a priori desta enumeração que assim parece não ter outro fundamento além da experiência vulgar. Tomás de Aquino, entretanto, que gosta de tais ordenações, deixou-nos uma dupla tentativa de sistematização destas potências.

Podemos, antes de tudo, ordená-las conforme seu grau de imaterialidade relativa, proporcionando-se esta à importância da modificação material que acompanha a “imutação” espiritual do sentido. Assim, no cume estaria situada a vista que não implica em nenhuma modificação corporal. Abaixo, viria o ouvido e o olfato que comportam uma modificação por parte do objeto. No pé da escala, enfim, o gosto e o tacto que supõem, a mais, uma modificação do órgão. Tais observações, evidentemente, precisariam ser aperfeiçoadas, embora o princípio desta sistematização permaneça sempre válido.

No De Anima (III, l.17-18) Tomás de Aquino classifica os sentidos conforme sua utilidade, ou segundo a finalidade que preenchem na vida animal. O Doutor angélico distingue duas categorias de sentidos depois de ter observado que, embora todos os viventes tenham necessidade de uma função nutritiva, nem todos têm necessariamente faculdade de conhecer: os sentidos inferiores e fundamentais, dos quais a vida animal não pode prescindir, ao menos o tacto e o gosto, e os sentidos superiores, que conferem a esta mesma vida uma maior perfeição, a saber, o ouvido, o olfato e a vista, os quais são precisamente os sentidos que, pelo seu meio, têm seu objeto à distância. Esta divisão teria sua razão de ser na necessidade que sentem os animais superiores de se deslocar para buscar seu meio de vida, circunstância esta que evidentemente requer o uso de um maior número de sentidos. Os animais inferiores, por encontrarem imediatamente a seu alcance o meio de sustento, não precisam se mover, nem, em consequência, perceber de longe. Explicação tão engenhosa quão difícil de se verificar.

Dificuldade. O sentido do tacto é um ou múltiplo? A diversidade das impressões comumente aduzidas a este sentido, como esforços musculares, peso, calor, dor, etc., levam-nos naturalmente a formular a questão. Tomás de Aquino já se inquietara com isto (cf. S. Th. Ia Pa, q. 78, a 1, ad 3) . Estava inclinado a pensar que o tacto é um certo gênero que comportaria diversas espécies. Distinguir-se-ia hoje, de bom grado, um sentido de esfôrço e um sentido térmico, ligando-se o sentimento da dor antes à afetividade. Aristóteles inclinava-se também a assimilar o gosto ao tacto, fazendo do gosto uma espécie de tacto limitado à língua. (Gardeil)