Noção da indução.
Compreendida em seu sentido mais amplo, a indução é o processo do espírito que nos permite passar dos dados mais particulares da experiência aos princípios e às noções primeiras de onde sairão as demonstrações.
O conhecimento humano, com efeito, não começa pelo inteligível, mas pelo sensível, quer dizer pela percepção das coisas singulares e mutáveis. A partir daí, nossa inteligência, que tem o universal como objeto, forma por abstração as noções e os princípios universais. Em seu sentido mais geral, a indução atinge toda essa passagem do singular percebido pelos sentidos, ao universal objeto primeiro da inteligência (é o significado habitual da “epagoge” de Aristóteles). Psicologicamente, e na prática da atividade de pensamento, isso supõe todo um conjunto muito complexo de operações. Não nos esqueçamos que, o que vai seguir agora, é apenas o esquema lógico essencial do problema, aquele que nos interessa.
Observação histórica.
A ideia da indução e, em uma certa medida, sua teoria, remontam a Aristóteles (Ver em particular: I Anal., II, C. 23, 68 b 8, e Top., I, C. 12, 105 a 10), porém o Estagirita se estendeu bem menos sobre esta questão do que sobre o silogismo, deixando pontos obscuros. Pelo menos, afirmou ele muito claramente que ao lado do silogismo há um outro processo do espírito, o “epagoge”, que é distinto daquele, e que marca a passagem do singular ao universal. Na Idade Média, a indução foi mais especialmente estudada por Alberto Magno e por Scot que apresentaram os primeiros elementos de um método experimental. Tomás de Aquino teve certamente a percepção nítida do problema e de sua solução, porém em nenhuma parte ele se estendeu suficientemente (ver entretanto seu Comentário aos II Anal., II, L. 20, n. 8 e segs., onde é mais explícito). Os modernos, ao contrário, em consequência do desenvolvimento das ciências experimentais, deram grande importância à indução. Assinalemos simplesmente que seus trabalhos obedecem a uma dupla preocupação: busca dos métodos científicos da indução e determinação de seu fundamento filosófico.
Definição da indução.
Nos Tópicos (I, C. 12, 105 a 12), Aristóteles define de maneira muito geral a indução como “a passagem dos casos particulares ao universal”, e propõe este exemplo: “se o mais hábil piloto é aquele que sabe, e se se verifica o mesmo com relação ao cocheiro, é o homem que sabe quem em cada caso é o melhor”.
Explicitando as condições da passagem ao universal, pode-se dizer (Maritain) que “a indução é um raciocínio pelo qual, partindo-se de dados particulares suficientemente enumerados chega-se a uma verdade universal”. Seja este outro exemplo de Aristóteles (I Anal., II, C. 23, 68 a 19):
O homem, o cavalo, e o burro vivem muito tempo
Ora (todos os animais sem fel são o homem, o cavalo e o burro)
Logo todos os animais sem fel vivem muito tempo.
A partir de uma série, supostamente suficiente, de observações sobre a longevidade dos animais sem fel, eu chego a uma conclusão, de valor universal, sobre a longevidade de todos os animais desta categoria.
Indução e silogismo.
Compreendemos melhor a estrutura original do raciocínio indutivo comparando-a com um raciocínio silogístico que lhe seja paralelo. Com efeito, pode-se imaginar que a partir de princípios mais elevados, um silogismo chegue à mesma conclusão que uma indução. Exemplo:
Indução:
Pedro, Paulo etc . . . são mortais
Ora, Pedro, Paulo . . . são todos homens
Logo todo homem é mortal.
Silogismo:
Tudo o que é composto de matéria é mortal
Ora, todo homem é composto de matéria
Logo todo homem é mortal
Nos dois casos, obtém-se a mesma conclusão universal: “todo homem é mortal”. Porém, os pontos de partida foram diferentes: no caso da indução, partiu-se da enumeração de experiências particulares; no do silogismo, de verdades universais. – Os termos médios igualmente foram diferentes; para o silogismo, era uma razão que manifestava a conveniência do sujeito e do predicado com a conclusão; no caso da indução, era uma enumeração de casos singulares que era considerada suficiente para que se pudesse chegar à afirmação universal. Seria mesmo mais exato dizer que na indução não há, propriamente falando, termo médio, quer dizer, um termo determinado que ligue os extremos, mas somente uma enumeração que representa o papel dele.
Aristóteles (I Anal. II, C. 23, 68 a 33) exprime a diferença entre essas duas formas de raciocínio da seguinte forma: “De certa maneira, a indução se opõe ao silogismo: este prova, pelo termo médio, que o extremo maior pertence ao terceiro termo; aquela prova, pelo terceiro termo, que o extremo maior pertence ao termo médio. Verificar-se-á isto facilmente no seguinte exemplo, onde indução e silogismo estão invertidos:
Silogismo:
Todos os animais sem fel (M) vivem muito tempo (T)
Ora, o homem, o cavalo, o burro (t) são animais sem fel (M)
Logo, o homem, o cavalo, o burro (t) vivem muito tempo(T)
Indução:
O homem, o cavalo, o burro (t) vivem muito tempo (T)
Ora, todos os animais sem fel (M) são o homem, o cavalo, o burro (t)
Logo, todos os animais sem fel (M) vivem muito tempo (T)
Para verificar a fórmula de Aristóteles é necessário determinar M, T, t no silogismo, depois transportá-lo com sua significação para a indução. O médio não é verdadeiramente médio senão no silogismo.
Observação. – A verdadeira indução deve ter como fim não o coletivo como tal, quer dizer, a coleção dos singulares enumerados, mas o universal, incluindo em potência um número indeterminado de sujeitos. – A indução completa, da qual falaremos em breve, é um caso especial no qual a coleção comporta um número determinado de indivíduos.
No caso privilegiado da percepção dos primeiros princípios ou noções simples, a indução chega às evidências: eu percebo que o todo, absoluta e universalmente falando, é maior do que a parte. Porém quase sempre, nas ciências e na prática da vida, esta operação não chega a atingir este grau de certeza: ela atinge a julgamentos universais, mas sem que a razão destes seja evidente. Não há verdadeiro termo médio, não se vê a razão formal de ser da conclusão. A conclusão a que se chega é, antes, em torno da existência: se os casos foram suficientemente enumerados, pode-se legitimamente assegurar-se do julgamento universal.
Decorre disto que, regra geral, a conclusão de uma indução é somente provável, porque permanece sempre um certo hiato entre a soma dos casos particulares observados e o universal que se infere: há, portanto, sempre possibilidade de erro Se observei que o cobre, o ferro, o ouro etc., se dilatam com o calor, eu poderia, se minhas experiências foram suficientes, concluir legitimamente que todos os metais se dilatam com o calor. Entretanto, não o posso afirmar com certeza absoluta porque, talvez, tal metal que eu não conheça não se dilate efetivamente com o calor. Na indução científica eu não “vejo” e é por isto que guardo sempre um certo receio de me enganar, formido errandi, o que é o caráter distintivo do conhecimento provável. (Gardeil)