enunciação

O julgamento é o ato do espírito que compõe ou divide afirmando ou negando; a enunciação é o termo desse ato, o que se diz ou se pronuncia julgando. É esta expressão do julgamento que interessa ao lógico, o ato como tal diz respeito à psicologia. Como para a primeira operação do espírito, iremos considerar paralelamente a expressão mental e o sinal verbal do pensamento.

Divisão da enunciação.

As divisões essenciais de uma operação se tomam a partir de seu objeto. Ora, a enunciação, termo do julgamento, tem como objeto o próprio ser que ela afirma, ipsum esse. Portanto, é sob o ponto de vista do ser afirmado que se efetuarão as divisões essenciais relativas a esta operação: haverá tantos tipos gerais de enunciações quantos os modos específicos de afirmação do ser. Dentre eles, a filosofia escolástica conservou os três principais.

As enunciações simples. – O predicado é um esse essencial ou acidental, recebido num sujeito que preenche a função de substância ou de suposto: “homem”, “bípede”, “gramático” atribuído a “Pedro”. As enunciações correspondentes: “Pedro é homem” etc., são ditas simples ou categóricas, porque há uma simples atribuição de um predicado a um sujeito. Dir-se-á que se tem aí um julgamento de inerência, para distinguir este caso, onde apenas se afirma que o predicado convém (inere) ao sujeito, daquele em que se precisa o modo dessa inerência (proposições modais).

As enunciações compostas. – O predicado afirmado exprime, neste caso, o laço existente entre enunciações simples. Ex.: “Se a chuva cai, a terra é molhada”.

Tais enunciações são ditas de conjunção ou compostas; a cópula não é mais o verbo “é”, mas partículas tais como “ou”, “se”, “e”. Vê-se que se trata de um caso’ muito diferente do precedente: a modalidade de ser que se afirma não é mais uma parte da essência ou um acidente de um sujeito, mas o próprio laço (causalidade ou coexistência) que une várias realidades. Os elementos de tal enunciação são já enunciações constituídas; daí lhes vem a denominação de enunciação composta (ou hipotética). Entretanto, não se trata ainda de um verdadeiro raciocínio, uma vez que não existe ainda, propriamente falando, um movimento do espírito a partir de verdades adquiridas em direção a uma nova verdade. -A enunciação composta, que tem seu fundamento na pluralidade do ser e nas relações que resultam dessa pluralidade, corresponde, no âmbito da segunda operação do espírito à divisão e à definição no âmbito da primeira, que são atividades relativas à pluralidade das essências e a suas relações.

As enunciações modais. – O predicado afirmado é o próprio modo de ligação dos dois termos de um julgamento “é necessário que o justo seja recompensado”. Estes modos, afetando a cópula ou o verbo, são, nós o veremos, o possível, o impossível, o necessário, e o contingente. A afirmação assim constituída tem como objeto a modalidade de ipsum esse que ela considera.

A teoria dos modais é longamente desenvolvida por Aristóteles no Peri hermeneias; a das proposições compostas, ao contrário, não remonta senão à lógica estoica.

Propriedades das enunciações.

As enunciações, consideradas como um todo e umas em relação às outras, têm propriedades. A mais essencial dessas propriedades é a oposição, que decorre do próprio caráter de afirmação ou de negação que necessariamente apresenta todo julgamento. Quando eu declaro que “este objeto é branco”, estou afirmando, por isso mesmo, uma oposição a toda outra proposição que possa ser-lhe contrária, tal como: “este objeto não é branco”.

A noção de “oposição” tem um lugar considerável nos escritos lógicos de Aristóteles. É estudada, em particular, quando se trata da proposição, no Peri hermeneias (a partir do c. 6), mas já tinha sido encontrada antes, a respeito dos termos (Categorias, c. 10 e 11); (ef. igualmente: Metafísica, A, c. 10 e I, c. 4 e seg.). Ler a este respeito, em Le Système d’Aristote de Hamelin o capítulo consagrado à oposição (p. 128 e seg.).

É possível descobrir-se, na filosofia anterior, uma dupla origem para esta teoria: na física pré-socrática, por um lado, onde já se dava grande importância à contrariedade das qualidades, quente-frio, sêco-úmido, e onde se concebia a mudança como a passagem de um contrário a outro contrário; por outro lado, nas especulações sobre a possibilidade da atribuição (as de Antístene, notadamente), onde se supunha necessariamente admitida a exclusão parmenidiana do ser e do não-ser. Na filosofia moderna, essa noção da oposição foi de novo posta em evidência: alguns idealistas, Hegel, Hamelin, e sob um outro ponto de vista Meyerson, a consideram praticamente como o fato primitivo ou o dado essencial sobre o qual deve repousar toda a metafísica.

A teoria aristotélica, para voltar a ela, compreende duas peças principais que iremos considerar sucessivamente: 1. uma teoria geral da oposição com sua distinção em quatro tipos fundamentais; 2. a teoria especial da oposição das proposições. (Gardeil)