Dentro das atitudes possíveis acerca do problema do bem (considerar o Bem como um “termo” ou como uma “noção”), referimo-nos ao Bem como algo real. Convém precisar imediatamente o tipo de realidade a que se adscreve. É mister, portanto, perceber se se entende o bem como um ente ou como um ser; como uma propriedade de um ente — ou de um ser — ou como um valor. Mas depois de ter esclarecido este ponto, é, todavia, conveniente saber de que realidade se trata. Enfrentaram-se duas opiniões diferentes a respeito disto: Primeira: o bem é uma realidade metafísica; segunda: o bem é algo moral. Antes de analisar cada uma destas opiniões, é preciso distinguir o bem em si mesmo do bem relativamente a outra coisa. Esta distinção aparece já em Aristóteles, que assinala que o primeiro é preferível ao segundo, mas tendo em conta que o bem em si mesmo nem sempre equivale ao Bem absoluto; designa um Bem mais independente que o bem relativo. Por exemplo, diz que recobrar a saúde é melhor que sofrer uma amputação, pois o primeiro é bom absolutamente, e o segundo só o é para o que precisa de ser amputado. Esta distinção foi adotada por muitos escolásticos. Uma consequência desta distinção foi a negação de que o bem é exclusivamente uma substância ou realidade absoluta. Aristóteles e muitos escolásticos rejeitavam, por conseguinte, a doutrina platônica — e por vezes plotiniana — do Bem como ideia absoluta ou como ideia das ideias, tão elevada e magnífica que, em rigor, está, como disse Platão, “para além do ser” de tal modo que as coisas boas o são enquanto unicamente participações do único Bem absoluto. Com efeito, na concepção aristotélica, pode dizer-se que o bem de cada coisa não é — ou não é só — a sua participação no Bem absoluto e separado, mas que cada coisa pode ter o seu bem, isto é, a sua perfeição. 1. o bem em si mesmo equipara-se frequentemente ao bem metafísico. Nesse caso, costuma dizer-se que o bem e o ser são uma e a mesma coisa, de acordo com a célebre fórmula de Santo Agostinho: “o que é, é bom” (CONFISSÕES), que foi aceite pela maioria dos filósofos medievais. Interpretada de um modo radical, esta equiparação dá como resultado a negação de entidade ao mal, mas para evitar as dificuldades que isso levanta definiu-se amiúde o mal como afastamento do ser, e, por conseguinte, do bem. O Bem surge então como uma luz que ilumina todas as coisas. em sentido restrito, o Bem é Deus, definido como Sumo Bem. Mas em sentido menos restrito, participam do bem as coisas criadas e em particular o homem, especialmente quando alcança o estado da fruição de Deus. A elaboração filosófica desta concepção define o Bem como um dos transcendentais. 2. A concepção do bem como Bem metafísico não exclui a sua concepção como bem moral; pelo contrário, inclui-a, mesmo quando o Bem metafísico parece gozar sempre de certa preeminência, especialmente na ontologia clássica. O mesmo se pode dizer da filosofia Kantiana, por mais que nesta fique invertida a citada preeminência. Com efeito, se só a boa vontade se pode chamar algo bom sem restrição, o Bem moral aparece como o sumo, o Bem. O fato de as grandes afirmações de Kant serem postulados da razão prática explica a peculiar relação existente entre o bem metafísico e o bem moral dentro do seu sistema. Quando se põe o bem moral acima das outras espécies de bens, levantam-se vários problemas. eis aqui dois que consideramos capitais: Em primeiro lugar, trata-se de saber se o bem é algo subjetivo ou algo que existe objetivamente. Muitas filosofias admitem as duas possibilidades. Assim Aristóteles e grande número de escolásticos definem o Bem como algo que é apetecível e, nesse sentido, parecem tender para o subjetivismo; mas, na realidade, “aquilo a que todas as coisas apetecem”, como diz S. Tomás (SUMA TEOLÓGICA) É o Bem porque constitui o termo da aspiração. Isto permite solucionar o conflito levantado por Aristóteles (no começo da ÉTICA A NICÔMACO) quando se pergunta se se deve considerar o Bem como uma ideia de certa coisa separada que surge e subsiste por si isoladamente, ou então como algo que se encontra em tudo o que existe e se pode chamar o Bem comum ou real. Em contrapartida, autores como Espinosa consideram o bem como algo de subjetivo, não só por ter insistido na ideia de que o bom de cada coisa é a conservação e a persistência no seu ser, mas também por ter escrito expressamente (ÉTICA) que “nos movemos, queremos, apetecemos ou desejamos algo, porque julgamos que é bom, mas que julgamos que é bom porque nos movemos para isso, o queremos, apetecemos e desejamos”. Muitas das chamadas morais subjetivas, quer antigas quer modernas, podiam tomar como lema a citada frase de Espinosa. Em segundo lugar, trata-se de saber quais são as entidades que se consideram boas. As chamadas morais materiais consideram que o bem só pode estar incorporado em realidades concretas. Assim acontece quando se diz que o bom é o deleitável, ou o conveniente ou o honesto, ou o correto, etc. Note-se que os escolásticos não rejeitaram esta condição do bem, pois consideravam que o bom se divide em diversas regiões determinadas pela razão de apetecibilidade d e modo que se pode dizer, com efeito, do bom, que é útil, ou que é honesto, ou que é agradável, etc. Mas enquanto, entre os escolásticos, isto era o resultado de uma divisão do bem, entre os partidários mais estritos das morais materiais o bem reduz-se a uma ou mais dessas espécies de bens. As ditas morais formais (especialmente a de Kant) insistem, em contrapartida, em que a redução do bem a um Bem ou a um tipo de bens (em particular de bens concretos) converte a moral em algo relativo e dependente. Há, segundo ele, tantas morais materiais quantos os gêneros de bem, mas, em contrapartida, há só uma moral formal. Contra isso argumentam as morais materiais que a moral puramente formal é vazia e não pode formular nenhuma lei que não seja uma tautologia. (DFW)