saberes

O desvanecimento da possibilidade interior do homem, de sua “essência”, faz dele uma casca vazia, esse eco aberto a todos os ventos e suscetível de ser completado doravante por qualquer conteúdo. Os diferentes conteúdos propostos pelo pensamento moderno e presentes como tantas determinações e finalmente definições do que constitui o ser essencial do homem são naturalmente tomados das diversas espécies de saber que surgiram no horizonte galileano. Por um lado, os saberes propriamente galileanos, as ciências duras: física, química, biologia. Por outro, ciências consideradas “humanas”, que pretendem ater-se a certos aspectos específicos dos comportamentos humanos: psicologia, sociologia, economia, direito, história, etc.

Quanto às primeiras, ignoram tudo do homem, começando por ali onde acaba o homem, e acabando ali onde começa o homem, se o que constitui o ser essencial do homem é o experimentar-se a si mesmo num Si transcendental, desprovido de neurônios, moléculas, partículas, etc., em princípio – ou seja, no próprio ato pelo qual ele decidiu a priori sobre sua natureza. E isso na fundação galileana da ciência moderna, que excluiu do universo tudo o que nele era humano: sensível, subjetivo, vivente.

Quanto às segundas, as ciências consideradas humanas, fascinadas pelo modelo galileano, tomaram deste suas metodologias matemáticas, esforçando-se por lhes conferir uma extensão sistemática. Fazendo-o, ficam fora da esfera do que é próprio do homem, na [370] medida em que este é um Si vivente. Entre a vida e as idealida-des matemáticas abre-se, com efeito, um abismo, aquele que separa para sempre realidade e irrealidade. E este abismo que o olhar transcendental de Marx percebeu quando ele se interrogou sobre a possibilidade de medir o trabalho vivente, e como talo único real, e isso para tornar possível a troca econômica das mercadorias. A construção aleatória e arbitrária dos objetos econômicos ideais que se supõe serem representantes e pois equivalentes objetivos da vida invisível, a invenção da economia, tal foi a resposta da humanidade a uma questão prática, para ela incontornável.

Esta substituição da vida por entidades ideais é o que, a exemplo da economia, as ciências humanas realizam em todas as partes, mas sem o saber. Assim, elas tomam seus objetos específicos como a definição da realidade, ao passo que o Si transcendental a que esses “objetos” se referem sempre secretamente e sem o qual eles não têm nenhum sentido desaparece sob os estratos superpostos de parâmetros de todos os tipos. No que concerne à possibilidade deste Si vivente, a saber, seu nascimento transcendental na vida fenomenológica absoluta, é agora para elas chinês. Assim, os objetos das ciências humanas se tornam análogos aos das ciências duras, puramente galileanas, tendendo a apagar-se toda diferença entre estas ciências. Se assim é, também seus conteúdos tendem a se identificar. A psicologia científica experimental, por exemplo, não é mais que uma biologia aplicada a este animal complexo que é o homem. O homem em sua especificidade, enquanto Si transcendental vivente e possível somente a este título, como algo que se experimenta a si mesmo, que sente, que se angustia, que sofre e que goza, que age, que quer e não quer, esse nem sequer está em questão. (Michel Henry MHSV)