PHYSIS — NATUREZA, ORIGEM, CONDIÇÃO, TIPO

Não há equivalente no hebreu para physis, enquanto natureza. Philon atribui à physis muita coisa, no sentido hebraico de obra de Deus; a natureza como sabedoria é um poder que participa da obra de Deus na criação. No NT a maioria das ocorrências de physis se dão em Paulo.


François Chenique
O estudo da natureza criada (natura naturata) é realmente a física, essas duas palavras, natureza e física, implicando a ideia de “devenir”. A física se divide em cosmologia, ciência do mundo (macrocosmo), e em antropologia (ou psicologia), ciência do homem (microcosmo). Na doutrina hindu, Prakriti, que implica ideias de “produção”, é o princípio feminino da manifestação universal, enquanto Purusha, nesse caso, é o princípio masculino. Maya é a aparência fenomenal do mundo, mas, em um certo sentido, Maya é, para a Vedanta, o que Prakriti é para o Samkhya; Maya, na qualidade de shakti (energia) de Brahman, tem dois poderes: avarana-çakti ou avrti-çakti, o poder de obnubilação, e viksepa-çakti, o poder de projeção, isto é, a força criadora que se exerce na manifestação. Portanto, a natureza é ambígua, porque vela e desvela o Absoluto. V. artigo consagrado a Maya por René Guénon, em Études sur l’hindouisme, p. 101.


physis: natureza

1. Embora a palavra em si não seja fortemente confirmada até ao tempo de Heráclito, (de fato, aparece anteriormente nos títulos de obras de Anaximandro e Xenófanes), é evidente que a investigação que usa a abordagem metodológica conhecida como Jogos e mais tarde conhecida por Pitágoras como philosophia teve, como assunto principal geral, a physis. Foi assim que a compreenderam tanto Platão (ver Fédon 96a) como Aristóteles (Metafísica 1005a) o qual chama aos primeiros filósofos physikoi, i. e., os interessados na physis. Conglobava estas coisas diferentes mas relacionadas: 1) o processo de crescimento ou genesis (assim Empédocles, frgs. 8, 63; Platão, Leis 892c; Aristóteles, Physica 193b); 2) a substância física da qual eram feitas as coisas, a arche no sentido de Urstoff (assim Platão, Leis 891c; Aristóteles, Physica 189b, 193a); e 3) uma espécie de princípio interno organizador, a estrutura das coisas (assim Heráclito, frg. 123; Demócrito, frg. 242).

2. Os significados 1) e 2) devem ver-se no contexto do teísmo dos pré-socráticos: esta «substância» era viva, daí divina, e logo imortal e indestrutível (ver Aristóteles, De anima I, 411a, Physica III, 203 a-b; Platão, Leis 967a; confrontar Epinomis 991d). Assim a physis dos primeiros filósofos tinha movimento e vida, mas com a remoção enfática, feita por Parmênides, da kinesis do reino do ser (ver on), a noção de physis foi, de fato, destruída, passando a iniciação do movimento para agentes exteriores, v. g. o «Amor e Ódio» de Empédocles (ver Diels, frg. 31A28) e o nous de Anaxágoras, ou, e aos olhos de Platão esta é a doutrina mais religiosamente perniciosa (Leis 889c), o movimento era casual e necessário, provavelmente em referência aos atomistas (ver tyche). O que Platão acha errado nas teorias contemporâneas da physis é a sua materialidade (Leis 892b) e a ausência de desígnio (techne; ver Soph. 265c). Foi para corrigir estas duas concepções erradas que Platão substituiu a psyche como fonte de movimento.

3. Com Aristóteles há uma reabilitação geral da physis que toma muitas das funções da psyche platônica: é definida (Physica II, 192b) como «o princípio (arche) e a causa (aitia) do movimento e do repouso para as coisas em que está imediatamente presente». Como a psyche, é espiritual porque é primordialmente forma (Physica II, 193a), e atua para um fim (telos; Physica II, 194a). Levantam-se dois problemas: ao substituir a psyche pela physis Aristóteles cortou a ligação entre o movimento e a vida e, por outro lado, entre a finalidade (telos) e a inteligência (nous). O primeiro é resolvido alargando a physis ao domínio dos elementos inanimados e postulando a doutrina do «movimento natural» para cada um (ver stoicheion, kinoun 8), mas na Physica viu volta-se para uma posição mais platônica: as coisas «animadas», i. e., vivas, têm dentro de si tanto o princípio do movimento como o iniciador do movimento e por isso diferem das coisas inanimadas que têm dentro de si o princípio passivo (paschein) do movimento, mas não o ativo (poiein), que consequentemente tem de operar do exterior (Physica VIII, 255b-256a); assim, todo o movimento, de fato, requer uma causa eficiente (kinoun). No segundo problema, a ligação entre o telos e o nous, é igualmente ambivalente, estando justapostos na Physica II, 199a dois argumentos para a teologia da physis, um dos quais sugere a presença do nous enquanto o outro a nega.

4. O monísmo estoico levou à identificação de Deus – natureza – fogo (SVF II, 1027; Cícero, De nat. deor. II, 22, 57). No seu papel imanente e ativo a physis é o logos (Sêneca, De benef. IV, 7) e, ao nível do existente individual, os logoi spermatikoi. É um princípio moral pelo fato de que a finalidade do homem era viver «harmoniosamente com a natureza» (para a moralidade «natural» estóica e para a teoria da interligação da natureza, ver nomos e sympatheia respectivamente).

5. A doutrina plotiniana da natureza está ligada à sua ideia de alma; tanto a alma do universo (ver psyche tou pantos) como as almas individuais imanentes aos homens têm dois aspectos diferentes: um lado superior e contemplativo, a alma em si (embora nas Eneadas IV, 4, 13, seja chamado phronesis) e um lado inferior, a physis, que está eternamente afastada do nous e cujo enfraquecimento resultante do seu poder contemplativo a fez decair da theoria para a atividade (praxis); ela produz, não mecanicamente, mas como uma forma enfraquecida da contemplação (Eneadas III, 8, 2-5). Dentro da physis individual encontra-se a faculdade vegetativa que opera sem pensamento e sem imaginação (Eneadas IV, 4, 13); ver psyche, telos. (FEPeters)