Olho do Coração

CORAÇÃO — VISÃO — OLHO DO CORAÇÃO

Antes dos Sufis, esta mesma expressão (Oculus Cordis) foi empregada por Santo Agostinho e outros; ela está em relação com a teoria bem conhecida deste Padre e dos doutores que o seguiram, segundo a qual o intelecto humano é iluminado pela Sabedoria divina. — A questão de saber se existe ou não uma relação histórica entre o «Olho do Coração» da doutrina plotiniana (o monos ophthalmos), aquele da doutrina agostiniana e aquele do Sufismo (Ayn el-Qalb) é sem dúvida insolúvel, e a princípio sem importância do ponto de vista em que nos colocamos; nos basta saber que esta ideia é fundamental e se encontra quase por toda parte. — Não esqueçamos de mencionar que São Paulo, na Epístola aos Efésios, fala dos «olhos de vosso coração» (illuminatos oculos cordis vestri, ut sciatis…) (1,18). Por outro lado é necessário lembrar que, segundo a oitava beatitude do Sermão da Montanha, são aqueles que têm o coração puro que verão Deus. (Frithjof Schuon)

Mohamed Iqbal: A METAFÍSICA NA PÉRSIA
Contribuição e tradução de Antonio Carneiro
O olho físico não vê senão a manifestação exterior do absoluto, ou luz real. Existe no coração do homem um olho interior que vê além das coisas, um olho que vai além do finito e atravessa o véu da manifestação.


Frithjof Schuon: O OLHO DO CORAÇÃOO QUE É O OLHO DO CORAÇÃO

Allard l’Olvier: L’ILLUMINATION DU COEUR

Segundo uma imagem que se encontra um pouco por toda parte, a unidade do Intelecto agente e de Deus, de que fala Ruysbroeck e onde a alma é, se se pode assim dizer, tangente ao Absoluto divino, é o «Olho do Coração» ou, como diz Platão (República VII 519b), o «Olho do Noûs», o órgão feito para ver Deus. Nos Efésios I,18, São Paulo escreve: «… illuminatos oculos cordis vestri…»; no sufismo, o Olho do Coração é Ayn al-Qalb, al-Qalb sendo o Coração, «tabernáculo do mistério divino no homem»; no Corpus hermeticum, trata-se, em numerosos pontos, seja dos olhos do intelecto, seja dos olhos do coração. E a sexta Beatitude (Mt 5,8) não diz: Beati mundo corde, quoniam ipsi Deum videbunt? São Bernardo, nos Graus de Humildade (VI), escreve: «Logo é em derramando lágrimas, em tendo fome de justiça e em praticando as obras de misericórdia, que o Olho do Coração é purificado de todas as manchas que contraiu pela enfermidade, a ignorância e o desejo; e é no estado de sua pureza que a verdade lhe promete de se mostrar a ele: «Bem-aventurados são os pobres de coração, porque verão a Deus». Mas é ainda Mestre Eckhart que, em seu sermão Qui audit me non confundatur, se exprime com mais força: «O Olho no qual vejo Deus é o mesmo que aquele no qual Deu me vê; meu Olho e o Olho de Deus são um só e mesmo Olho».

A expressão «Olho do Coração» é fatalmente ambígua posto que a realidade que designa é a Unidade de Deus, fonte de luz existencial, e do Intelecto agente, e que ela é assim reportável seja a Deus ele mesmo que se mira no espelho mental que lhe oferece a criatura, seja à criatura ela mesma enquanto é, pela face interna de sua mente, este espelho mesmo onde Deus se mira, e em se mirando, existencifica a alma mental. O Olho do Coração é o ponto de contato (e este ponto é tão imenso quanto Deus), que une a alma espiritual a Deus em razão da presença de Deus na alma e da unidade (mencionada por Ruysbroeck)da face interna da mente e de Deus.

A abertura do Olho do Coração produz simultaneamente dois efeitos aparentemente contraditórios. Por um lado, em razão de sua face interna voltada para Deus, a mente realiza sua Identidade Existencial com a Realidade Divina («tu é Ele, Ele é tu»); por outro lado, a criatura, em razão disto que ela é essencialmente, e que é radicalmente outra que o Existir divino que se revela a sua mente, permanece, na identidade existencial, distinta da Realidade Divina, e é a alteridade essencial (tu é Ele, Ele é tu, sem que haja fusão dos dois»); a mente realizando então, no instante do desvelamento, que a essência criatural à qual pertence não existe, jamais existiu e nem existirá jamais, precisamente porque esta essência é radicalmente distinta do Existir divino. E este duplo efeito do desvelamento é experimentado pela criatura, apesar de seu nada existencial, no horror sagrado ou na paz divina — esta Paz chamada em hebreu Shekinah e em árabe Sakina — segundo o desvelamento se produza em regime de rigor ou em regime de clemência.