Monaquismo

Monaquismo, Textos e autores do (séc. III-V)

Interpreta-se o monaquismo como uma criação do Egito cristão. Aqui teve seu berço e seu esplendor, embora se estendesse, mais tarde, a outras regiões. A tradição relaciona sua origem com a perseguição de Décio (próximo a 250), quando muitos cristãos fugiram das regiões povoadas do Egito para os desertos, onde permaneceram por algum tempo. Outros lá se estabeleceram de forma permanente, dando lugar assim à vida dos ermitões. Duas características destacam-se na origem do monaquismo: o clima ideal para esse gênero de vida próprio da terra do Egito, e o caráter camponês ou rural dos primeiros eremitas.

Destacou-se, com efeito, que seus fundadores não foram filósofos, nem homens contaminados pelas ideias gregas; foram pessoas não cultas, que quiseram viver seu cristianismo em toda a sua radicalidade. Posteriormente, fugiram para o deserto diante do perigo de secularização que a Igreja corria depois de seu reconhecimento pelo Estado. Combateu-se a difusão da mundanidade, fugindo do mundo. Esse monaquismo de primeira hora opôs-se ao saber e à literatura, mas à medida que passaram os anos, sua estima pela educação e pelo saber foi crescendo lenta mas constantemente. O monaquismo também foi evoluindo em direção a diferentes formas. Amais antiga é o anacoretismo ou vida eremítica, isto é, em solidão; a mais recente, o cenobitismo, ou monaquismo propriamente dito.

A partir do século IV, apareceu uma nova literatura cristã criada por ermitões e monges. Esse novo gênero literário era composto de regras monásticas, tratados ascéticos, coleções de sentenças espirituais dos padres do deserto, escritos hagiográficos e edificantes, sermões e cartas. Dos trabalhos que refletiam somente os ideais da vida espiritual, passaram a compor ensaios de história e teologia. Outros se transformaram em centros eminentes da ciência sagrada. Para a reconstrução desse período do monaquismo, contamos com A História Lausíaca de Paládio e a História dos monges do Egito, além dos dados que nos proporcionam as Histórias eclesiásticas de Sócrates e Sozomenes.

Entre os textos e autores do monaquismo, contamos com uma abundante e seleta literatura. O primeiro é Antão Abade, criador do monaquismo. Antão — segundo Santo Ataná-sio, seu biógrafo — era um homem de “sabedoria divina”, cheio de “graça e de cortesia”, embora jamais tenha aprendido a ler ou escrever. Não obstante isto, conservamos suas Cartas e Sermões e uma Regra chamada de Santo Antão, que não é autêntica. Parece ser uma compilação feita por dois ou mais autores, que lhe deram sua forma atual. Os Sermões também não parecem autênticos, “embora incendiasse com contínuos sermões o zelo dos que já eram monges e, quanto aos demais, incitava a maioria a amar a vida ascética”.

Pacômio foi o organizador da vida cenobítica no sul do Egito. Convertido à aos 20 anos, iniciou seu primeiro mosteiro de vida comum na Tebaida, à margem direita do Nilo (próximo do ano 320). Morreu em 346. Pacômio deixou-nos, fundamentalmente, sua Regra, que teve uma influência extraordinária em toda a legislação posterior da vida monástica. Há edições em copta e grego. São Jerônimo traduziu-a para o latim, e por esta edição foi conhecida no Ocidente. Consta de 192 seções, geralmente curtas, que tratam, com todos os detalhes, das condições da vida monástica. Muitas se referem ao trabalho manual. Em sua maioria, os monges dedicavam-se a tarefas agrícolas; outros exerciam um oficio, mas todo o trabalho manual era considerado serviço divino. Uma das regras dispunha que a todos os monges lhes determinassem um trabalho em proporção a suas forças. Há duas orações em comum, a da manhã e a da noite. Não se admite ninguém que não saiba ler e escrever, e o noviço deveria aprender ambas as coisas antes de ser admitido. Mas a originalidade e o valor da regra de Pacômio apoia-se, especialmente, em ter dado uma base econômica e espiritual à vida comum. Esta descansa nas virtudes monástica de obediência, castidade e pobreza, praticadas sem nenhum voto.

Nesta literatura monástica não se pode deixar de lembrar autores tão importantes e influentes na vida monástica e na espiritualidade posterior como Teodoro (+368); Macário, o Egípcio (300-390), chamado também o Velho ou o Grande, que escreveu as Homilias espirituais, Cartas e principalmente a conhecida como Grande Carta, e outros sete Tratados. Seguiu-lhe o seu homônimo, Macário, o Alexandrino, que morreu no ano 394, quase centenário.

E obrigatório mencionar aqui Evágrio Pôntico (345-399), “habilidoso nas discussões contra as heresias”, que quando viu sua alma ameaçada por perigos e sua virtude por tentações, retirou-se para o deserto do Egito (382). “Ganhava seu sustento escrevendo, pois escrevia os caracteres Oxyrhynchus de forma excelente”. Escreveu muitas e extensas obras e foi o fundador do misticismo monástico e o escritor espiritual mais fecundo e interessante do deserto egípcio. Seu misticismo baseia-se em Orígenes, de quem também tomou os erros. Expôs sua doutrina em forma de aforismos, imitando, desta forma, a literatura gnômica dos filósofos. De suas obras destacamos o Antirrhetikos, “textos seletos da Escritura contra os espíritos tentadores”. São os espíritos que atacam o monge: demônios da gula, do adultério, da avareza, do desalento, da irritabilidade, do fastio, da preguiça, da arrogância etc. Monachikos — O Monge — , um livro de 100 sentenças organizado por capítulos. E para os eruditos e estudiosos, Espelho de monges e monjas, que consta de 50 sentenças. E outros como Sobre a oração, Sobre os maus pensamentos. E numerosas Cartas.

Terminamos considerando Paládio como imprescindível por sua História Lausíaca para o conhecimento do monaquismo. No ano 388 foi para o Egito, onde se relacionou com os monges. Viveu com Macário e Evágrio. Descreveu o movimento monástico do Egito, da Palestina, da Síria e da Ásia Menor no séc. IV. E, pois, uma fonte extremamente importante para a história do monaquismo antigo. Fecham essas notas sobre o monaquismo as Cartas de Isidoro de Pelúsio (+435), “sacerdote, correto na , cheio de sabedoria e de conhecimento bíblico”. Sua correspondência revela uma personalidade extraordinária, com educação clássica e uma excelente formação teológica. Suas cartas ultrapassam as 2.000 (Sentenças dos Padres; Cassiano).

BIBLIOGRAFIA: G. M. Colombás. El monacato primitivo (BAC), 2 vols., La Regia de San Benito (BAC); R. Molina, San Benito, fundador de Europa. (Santidrián)


Ernst Benz — Descrição do Cristianismo
Tradução de Carlos Almeida Pereira
O MONAQUISMO
O monaquismo é uma instituição que brotou do ideal cristão da perfeição. Suas raízes remontam ao século I e ele continua vivo na igreja antiga, como já podemos ver pelo nome de “perfeitos” (téleioi), dado aos batizados. O monaquismo da igreja antiga tem por significado o equiparar a “perfeição” à ascese, à fuga do mundo. Está associada a ele a ideia de que o cristianismo perfeito só pode ser encontrado no altíssimo amor a Deus e ao próximo. A disciplina monástica é um meio externo para se alcançar o perfeito amor a Deus e ao próximo. Este caminho da perfeição apenas poucas pessoas especialmente agraciadas o conseguem percorrer, a massa não possui, interior e exteriormente, capacidade para a prática da ascese. Por isso as regras da vida monástica não foram consideradas como um “mandamento” obrigando a todos, mas como um “conselho” dirigido aos que são chamados. A distinção entre mandamento e conselho já se encontra entre os “lógia”, os ensinamentos de Jesus. Ele não ordena que “se seja continente por causa do Reino dos Céus”, mas apenas o recomenda aos que forem capazes de o “entender” (Mt 19,12). Já bem cedo homens e mulheres ascetas e celibatários são reconhecidos na Igreja como um estado especial; já nas cartas de Paulo o celibato é enaltecido. O núcleo das comunidades é formado pelos cristãos de mentalidade ascética. Mais tarde (Tertuliano), ao estabelecer a distinção entre conselho (“suasum”) e mandamento (“iussum”), a igreja está em perfeita sintonia com esta concepção cristã de seus tempos mais remotos. Na teologia da igreja antiga, em Clemente de Alexandria e Orígenes, os mentores da escola catequética de Alexandria por volta da passagem do século II para o III século, já se esboça a singular ligação entre ascese e mística, que posteriormente haveria de tornar-se a base espiritual do monaquismo no Oriente e em parte também no Ocidente.

bem cedo encontramos a prática de os ascetas morarem fora da comunidade, longe das cidades, na solidão do campo e em recintos cercados. Só através desta separação é que o conceito do monge (“mónachos”), além do significado de perfeito, único, passa a ter também o sentido de alguém separado, no sentido espacial. Na forma de vida destes monges são adotadas formas claramente marcadas por modelos mais antigos de comunidades religiosas, modelos estes provenientes do judaísmo e do helenismo, como os grupos quase-mo-násticos dos pitagóricos, assim como — na esfera do judaísmo tardio — dos essênios (Qumran). O monaquismo se transformou numa instituição fixa da igreja cristã no século IV, quando a corrente ascética tornou-se mais forte dentro da Igreja. Esta corrente não deve seu surgimento à decadência da população urbana da antiguidade, como muitas vezes se tem afirmado; pelo contrário, ela é sustentada exatamente pela população rural não aproveitada do Egito e da Síria. Sua motivação principal deve ser procurada no próprio entusiasmo pela ascese. Os ascetas não queriam mais viver nas proximidades das cidades. Partindo do desejo de viver um isolamento ainda mais completo, eles procuraram os túmulos, as povoações humanas abandonadas e em ruínas, as cavernas, e por fim o “grande deserto”. A tarefa principal dos ascetas, a luta contra os demônios, experimenta com isto uma grande intensificação; pois o deserto era tido como o lugar onde moravam os demônios, como o lugar de refúgio dos deuses pagãos em fuga diante da vitória do cristianismo. A difusão do cristianismo nas cidades do Egito e o florescimento do monaquismo egípcio no deserto no século IV constituem, desta forma, o verso e reverso de um mesmo processo. Como, em consequência da reviravolta da política religiosa imperial, as massas acorriam às igrejas, cresceu também o número dos lutadores que buscavam a perfeição decidindo retirar-se para o deserto.

A própria Igreja, na medida de suas forças, favoreceu esta evolução. Foi precisamente o bispo de maior envergadura intelectual e política do século IV, Atanásio de Alexandria (295-373), que em sua “Vida de Santo Antônio” descreveu a vida de ermitão no deserto e o tremendo combate dos ascetas contra os demônios, como o modelo da vida de perfeição cristã. Esta obra significou a aprovação do monaquismo pela Igreja, ou mesmo a propaganda deste ideal.

O passo seguinte foi dado pelo fato de os próprios eremitas no deserto, depois de se haverem colocado sob a direção de um pai-monge de eminente espiritualidade e se reunido em comunidades de culto, de orientação espiritual e de instrução bíblica, se congregarem também em associações de organização fixa. Porém a forma primitiva do mosteiro no Oriente não é um edifício comum abrigando os monges sob um mesmo teto, mas sim um aglomerado de cabanas isoladas no interior de um terreno cercado, dentro do qual os eremitas realizam também os trabalhos manuais estabelecidos.

Pacômio (292-346), um antigo soldado romano, criou o primeiro mosteiro no sentido atual, reunindo os monges sob um mesmo teto numa comunidade de vida dirigida por um abade. Em 323 ele fundou o primeiro mosteiro propriamente dito em Tabennisi, ao norte de Tebas, no Egito, juntando, em casas, de 30 a 40 monges, com um que os presidia. O mesmo Pacômio criou uma regra monástica, a qual, porém, servia mais para regulamentar os aspectos externos da vida monástica do que a direção espiritual. O sistema de mosteiros de Pacômio difundiu-se rapidamente, por exemplo, pela Etiópia, ultrapassando os limites de sua pátria egípcia. Durante seu exílio em Tréveris, em 340-346, Atanásio levou esta regra para o Ocidente, e Mar Avgin, em meados do século IV, levou-a para a Mesopotâmia; Jerônimo, em 404, dirigia por ela seu mosteiro em Belém. Também a regra de Bento de Núrsia, que tão forte influência haveria de exercer sobre a figura do monaquismo ocidental, foi influenciada de muitas maneiras pela regra de Pacômio.

Para dar à vida monástica comunitária na Igreja Bizantina sua configuração final, o mérito maior cabe a Basílio Magno (c. 330 a 379). Seus escritos ascéticos, que originalmente foram destinados aos monges da Capadócia, continham as motivações pedagógicas e teológicas da “vida comum” dos monges, o cenobitismo. Foi ele que criou a regra monástica que em sempre novas variações e modalidades veio a tornar-se a base do monaquismo ortodoxo. Até os dias de hoje este conservou a ligação entre a ascese e a mística, ele é o monaquismo no sentido da igreja antiga.

O monaquismo ocidental teve um desenvolvimento à parte, quando comparado com o monaquismo da igreja antiga. Em primeiro lugar por sua clericalização. Nos mosteiros romano-católicos, os monges, com exceção dos irmãos serviçais, são hoje sacerdotes ordenados, estando desta forma diretamente envolvidos com as tarefas eclesiásticas da Igreja Romana. De início, porém, os monges eram leigos. Pacômio chegou até a expressamente proibir aos monges tornarem-se clérigos, alegando que “é bom não desejar o domínio e a glória”. Só com Basílio Magno foi que se introduziu um voto monástico especial e uma cerimônia litúrgica própria para o ingresso na vida monástica; com isso os monges deixaram de ser simples leigos e passaram a ocupar uma posição intermediária entre o clero e os leigos. Mesmo hoje, porém, os monges da Igreja Ortodoxa, na sua maioria, ainda são monges leigos; apenas uns poucos de cada mosteiro são ordenados sacerdotes (hieromónachoi), podendo administrar os sacramentos. Outra peculiaridade romano-católica do desenvolvimento monástico consiste na divisão funcional das ordens. As diferentes ordens vêm a ser tropas auxiliares da Igreja nos diferentes terrenos de ação, no combate aos hereges e nas missões, no sistema escolar e no cuidado pelos enfermos. O monaquismo romano-católico desenvolveu uma extraordinária variedade de estruturas sociológicas, que vão desde as ordens militares até às ordens mendicantes ou de ordens marcadamente feudais e aristocráticas a ordens de caráter puramente burguês. À medida que no Ocidente foram aumentando as tarefas missionárias, pedagógicas, científico-teológicas e políticas especiais das ordens, sempre mais foi ficando em segundo plano o primitivo caráter do monaquismo antigo, inteiramente voltado para a oração, a meditação e a contemplação, que hoje só é abraçado ainda pelos beneditinos e carmelitas.