TRADIÇÃO — HISTÓRIA
( … ) Desde Herder, a ideia de uma história animada de sentido frequenta o Ocidente dos filósofos, depois de ter frequentado a teologia. Ao conflito da história real e da significação racional que ela deve manifestar, a prosopopeia hegeliana parecia ter dado uma solução satisfatória. Ora, contra essa solução é que toda a obra de Henry Corbin, desde as lições sobre Hamann até o Paradoxo do monoteísmo, se dirige e se constrói.
O ponto de partida é questionar a existência histórica do homem. Sob qual condição o ser histórico pode aparecer e metamorfosear o ser natural, isto é, o ser simplesmente temporal? A quais significações essa nova inscrição no tempo remete? A questão procede, pois os homens não vivem num tempo neutro, mas segundo ritmos naturais. Eles temporalizam o tempo; estão submetidos a temporalidades pelas quais, portanto, os atos que os fazem entrar na existência são responsáveis. Ou ainda: a temporalidade humana é sempre articulação simbólica. Não há historicidade sem uma figura que a preceda. Henry Corbin podia, desde então, tornar-se hegeliano. O que ele não se tornou, e toda a sua busca pelo “Oriente das Luzes” nasce da recusa do hegelianismo, isto é, de filosofias da história em suas completudes. Pois, à exigência de uma compreensão do devir histórico do homem, soma-se, em Henry Corbin, uma segunda exigência que contraria o Saber Absoluto: preservar a distância entre a revelação dos significados e o absconditum que os funda. Ou ainda: preservar o Não-Saber.
Essas questões se orientam na direção do que Heidegger designa como o ereignis:Geschehen. “O Geschehen”, escreve Henry Corbin, “não equivale a um devir, a uma evolução natural ou a um elã vital; ele assinala a estrutura absolutamente própria à realidade humana que, realidade transcendente e realidade reveladora, torna possível a historicidade de um mundo.’’ Para designar essa estrutura ele propõe traduzir o alemão de Heidegger no termo francês arcaico “historial”. Henry Corbin chegou a essa historicidade fundadora do mundo histórico pelo duplo caminho dos orientais (já havia lido e traduzido Sohravardi) e do luteranismo de Hamann. Ele descobre, com efeito, como a existência humana deve se conceber como uma “revelação”; como ela é simultaneamente significante e “significado”. Na origem do ser histórico do homem há uma situação hermenêutica, ou, ainda, uma fundação da existência da realidade humana, num mundo que é sempre um conjunto de símbolos. Logo, não é necessário dizer que a existência é possibilitada pela história, mas que a história é possibilitada pela revelação, a interpretação dos sujeitos por si mesmos, revelação mediada pelo universo simbólico no qual ela se manifesta. Nós possuímos, desde então, os primeiros elementos do que se tornará na suma de No Islã iraniano uma filosofia metahistórica. Não é senão por seu desenraizamento da história que o homem reencontra, interpretando-a, a origem do seu ser histórico, e que dele se liberta libertando-o. É falso ler Henry Corbin como um “inimigo da história” ou como um “espiritualista”. Seu pensamento, ao contrário, se situa no ponto em que a historicidade nasce, na junção das linhas “historiais” da metahistória e da existência histórica que elas fundam. Esse ponto é um lugar de desenraizamento porque a historicidade é também uma queda. Henry Corbin, graça aos orientais, acentua a tonalidade dramática da primeira filosofia de Heidegger. “Caído” na existência histórica, o homem esquece da origem “historial” dessa existência. A interpretação também é uma evasão. Encontraremos incessantemente, em Henry Corbin, esses dois temas da gnose: compreender a origem para lá retornar, compreender a origem para nela se apoiar em sua busca de salvação. A “situação hermenêutica” tornando-se “situação gnóstica”, Henry Corbin pensa o desenraizamento da história como o sentido verdadeiro da existência humana. Se a Fenomenologia de Hegel tem por objeto a dominação, a de Henry Corbin tem por objeto a rebelião autêntica da alma, que ultrapassa a angústia e a inquietação, para descobrir-se na sua verdadeira pátria: as formas da transhistória, as formas da “hiero-história”. A essas formas o Islã xiita dava um pólo que Henry Corbin nos ajuda a elucidar: o imã oculto nos duodenários.
O desenraizamento em direção à metahistória, que “interrompe” o curso da história, inverte a relação de causalidade ordinária entre a história e a subjetividade. Esta se tornando o espelho (a especulação ativa) da “hierohistória”, graças à imaginação criadora, cria uma outra história, lá se inscreve e se liberta. É isso que, segundo Henry Corbin, as “filosofias proféticas” opuseram às filosofias dogmáticas, que encarceram o homem na sua história e nas suas servidões. (Christian Jambet – Lógica dos Orientais)
Nenhuma das teorias emitidas para dar conta da história deve se desdenhar, mesmo entre aquelas que se dizem mortas; não há uma que não ponha em relevo algum nuance mental da evolução humana. Mas muito poucas oferecem uma visão completa, permitindo sintetizar todos os aspectos desta evolução, e de apreendê-los em sua mistura viva. Quase todas com efeito, tomam por ponto de partida o homem atual, e se esforçam por descobrir, nos elementos que discerne nele a análise, os princípios de uma doutrina. É como querer explicar o curso de um rio em colocando a princípio como postulado que a fonte se situa no mesmo nível que a embocadura.
É preciso, na realidade, para obter uma visão sintética e viva, partir de mais alto que o homem atual, e, em lugar de reconstituir a evolução graças a uma ou outra de suas componentes, assistir à diferenciação progressiva dos múltiplos elementos que se encontravam confundidos na corrente inicial.
É a uma visão deste gênero que conduz o exame atento dos relatos antigos, especialmente aqueles da Bíblia, quando se os aproxima dos dados etnológicos.
Eles impõem, com efeito, duas ideias, a saber: de um lado que o primeiro homem viveu originalmente em uma ambiência espiritual e mental totalmente diferente da nossa, por outro lado que ele possui por este traço uma importância excepcional, e constitui o fator por excelência da explicação tanto histórica quanto filosófica ou religiosa. Não é portanto para o homem presente que se é preciso olhar para descobrir o segredo de nossa natureza e de nossa evolução; é para o pai da raça, para o primeiro exemplar do homo sapiens adâmico. ( Pierre Gordon: Gordon Primitivos )
Alzándose de la tierra al cielo, lo que se revela es el sentido de una historia distinta: la historia de una humanidad espiritual, invisible, cuyos ciclos de peregrinaciones terrenales remiten a «acontecimientos en el cielo» y no a la fatalidad evolutiva de las generaciones sucesivas. Es la historia secreta de aquellos que sobreviven a los «diluvios» que se tragan y sofocan los sentidos espirituales, y que resurgen en los universos hacia los que les orientan, unos tras otros, los mismos Invisibles. Es esta orientación la que habrá, pues, que precisar — adónde lleva, y cuál debe ser — para que el ser que asume el esfuerzo de esta marcha ascendente sea simultáneamente el «ser más allá» cuya manifestación creciente esa marcha garantiza. En esta reciprocidad, en esta inversión, se oculta todo el secreto del guía invisible, el paredro celestial, el «Espíritu Santo» del místico itinerante (sâlik) del que sería superfluo decir que no es ni la sombra ni el «doble» de algunos de nuestros cuentos fantásticos, sino figura de luz, imagen y espejo en la que el místico contempla — y sin la cual no podría contemplar — la teofanía (tajallî) en la forma que corresponde a su ser. ( Henry Corbin: Corbin Homem Luz )