A objeção maior dirigida ao cristianismo em épocas diferentes e de múltiplas formas é a de desviar o homem deste mundo que constitui o único mundo real, tangível e, por essa razão, a morada verdadeira dos que o habitam efetivamente, os “habitantes deste mundo” – nós os homens. O “mundo”: este mundo aqui – a Terra, com seus elementos, seus horizontes, sua temporalidade, suas leis – tudo o que traça o círculo das possibilidades concretas que definem a “existência humana”. E que delimitam ao mesmo tempo sua finitude. Pois é neste mundo, apoiando-se nele e moldados por ele, que tomam forma e consistência todos os projetos e ações que é dado ao homem empreender, os itinerários que ele deve seguir, o tempo exigido por seu percurso, o conjunto de disposições por observar, a soma dos esforços por envidar. Sem dúvida essas condições mudam constantemente, o saber e a técnica não cessam de fazê-las evoluir. Mas essas mudanças e essa evolução se fazem a partir de um dado prévio sobre o qual só se pode agir na medida em que se age a partir dele. Esse antecedente incontornável de todas as modificações e de todas as invenções possíveis – possíveis a partir dele e desse modo somente – é precisamente o mundo. Este mundo que, portanto, é o horizonte imprescritível de todos os comportamentos e de todas as ambições humanas.
Desviar o homem deste mundo que constitui sua morada verdadeira e, literalmente, o solo e o ponto de apoio de todos os seus deslocamentos e de todas as suas atividades é lançá-lo no imaginário. Tal é o reproche: a invenção de outro mundo fantástico ou, melhor dizendo, fantasmático, esse lugar de satisfação imaginária de todos os [329] desejos e de todas as aspirações que o homem não pôde realizar aqui embaixo – o “além” que este aqui embaixo reclama como o complemento indispensável de todas as faltas e de todas as frustrações. Que a incapacidade de obter, por uma transformação efetiva da realidade e portanto pelo trabalho, a satisfação das múltiplas pulsões interiores ao ser humano conduz para fora da realidade, temos disso ao menos dois exemplos e, assim, duas provas. A primeira é fornecida pelo curso ordinário da existência individual: nesta, a parte do sonho mede a das aspirações não satisfeitas, isto é, ao fim e ao cabo, dos esforços diante de que o indivíduo recuou. Do que o desejo não pôde obter efetivamente, ele forma ao menos uma imagem. Mas existem aspirações a que nenhum trabalho de nenhum tipo dá resposta. É aqui que a “realidade” deixa ver sua verdadeira natureza: isso contra o que nada se pode, o que desafia toda espécie de agir que queira modificá-la ou negá-la. Assim, o luto por uma pessoa querida – mais geralmente a morte. O único “trabalho” é aqui a aceitação da realidade, no caso o desaparecimento da pessoa amada – a aceitação de um mundo cuja finitude é precisamente a morte.
E eis o segundo exemplo desse processo em que a incapacidade de satisfazer o desejo conduz à fabulação de um além: o cristianismo. O que está aqui em questão, há que vê-lo muito claramente, é a concepção prévia da realidade. Sendo esta compreendida como o mundo, inevitavelmente então se eleva contra o cristianismo a crítica, que se quer decisiva, de “fugir” da realidade. Que essa fuga desemboque na construção de um “outro mundo” mentiroso não é mais que uma consequência. Poder-se-ia também conceber outras fugas. A própria ideia da “fuga” não é primeira. O que se encontra na origem de todo esse processo é o desconhecimento da realidade em si mesma. A recusa ou a incapacidade de reconhecer sua verdadeira essência – a saber, o mundo tal como se dá a nós e, assim, tal como é. Se assim é, este desconhecimento não conduz primeiro e necessariamente para fora do mundo, mas se manifesta no interior do próprio mundo por uma série de contradições.
A mais significativa consiste na tentativa de edificar uma realidade nova, um novo Reino, desconhecendo as condições da realidade. Tal tentativa não pode senão desembocar no desaparecimento de toda efetividade, num puro “vazio” – e esse lugar vazio, estranho à realidade, é o Céu do cristianismo. (Michel Henry MHSV)