SI MESMO — EU

Quando pronunciamos “EU”, seja explícita ou implicitamente, que significado tem essa referência? a que ou a quem se refere? a onde se refere? como se refere? Enfim, EM QUE aparece, COM QUE o conheço, DE QUE é feito? Podemos falar de um “eu” minúsculo e de um “Eu” maiúsculo? É justo pensar que há algo que pode se denominar “Eu”, que ritmadamente vibra e ressoa a nota de uma corda vertical estendida de Alto a Baixo. Por outro lado, há algo que falsamente se apossa e se outorga desta vibração original, se denominando “eu”, assumindo um sonho de ilusões, de aparências, que congrega pensamentos, imagens, sentimentos, sensações e percepções, supostamente reunidas “dentro de um corpo”, que consolidaria e daria textura material a este efêmero “eu” minúsculo, acobertando sob um denso véu o “EU” maiúsculo.


CRISTOLOGIA
Agostinho de Hipona: (De Trinitate, XV, 22.)
Mas quando estas coisas estão em uma pessoa, como é o homem, alguém pode dizer-nos: estas três coisas, memória, entendimento e amor, são minhas, não suas, e não fazem para si, mas para mim o fazem, ainda mais, eu por meio delas. Pois eu me lembro pela memória, entendo pela inteligência, amo pelo amor; e quando volto à minha memória o olhar do pensamento, e assim digo em meu coração que sei, e nasce de meu coração uma palavra verdadeira, ambas as coisas são minhas, a saber, — a ciência e a palavra. Pois eu sei, eu digo em meu coração que sei; e quando ao pensar encontro em minha memória que eu entendo ou amo algo, entendimento e amor que ali estavam antes que eu começasse a pensar, encontro meu entendimento e meu amor em minha memória, pelo qual entendo eu e amo eu, não eles. Igualmente, quando meu pensamento se lembra e quer voltar ao que havia deixado na memória, e vê-lo entendendo-o e dizê-lo interiormente, minha memória se lembra e quer por minha vontade, não pela sua. E também meu amor, quando se lembra a entende o que deve apetecer, o que deve evitar, lembra-se por meio de minha memória, não pela sua, e entende por minha inteligência, não pela sua, tudo o que ama inteligentemente. O que se pode dizer em poucas palavras: Por todas aquelas três coisas lembro-me eu, entendo eu, amo eu, que não sou nem memória, nem inteligência, nem amor, mas possuo estas coisas. Portanto, pode-se dizer que são de uma pessoa, que tem essas três coisas, mas que não é ela mesma essas três coisas.

CATARINA DE GÊNOVA: MEU EU É DEUS

PERENIALISTAS
François Chenique:
O problema do conhecimento da alma por ela própria é complexo e difícil de expor. Em De Veritate (q. 10, a. 8), São Tomás de Aquino aproxima-se da posição de Santo Agostinho: a alma se conhece diretamente, por si própria, mens seipsam per seipsam novit (De Trinitate, I. 9, c. 3); na Suma Teológica (I, q. 87, a. 1) volta-se para Aristóteles (De anima, II, 4 e III, 4) e conclui com o único conhecimento real da alma, isto é, por seus atos, e não pelo conhecimento habitual: non ergo per essentiam suam sed per actum suum se cognoscit intellectus noster. Com efeito, uma coisa é inteligível na medida em que ela está em ação, ou, na ordem das coisas inteligíveis, nossa inteligência está em pleno poder. Boa exposição dessa questão é dada por Gardeil. Initiation à la philosophie de saint Thomas d’Aquin, tomo III, Psychologie, p. 127-31. São Boaventura adota a posição de Santo Agostinho.

O conhecimento imediato da alma, por ela própria, é a intuição fundamental do “Eu” (Atman) em sua interioridade absoluta. O que se deve eliminar são as “superimposições” ([wiki base=”en”]adhyasa[/wiki]) que usurpam a realidade do Eu, graças a uma discriminação ([wiki base=”en”]viveka[/wiki]) sem falha. Esse é um movimento que se mostra inteiramente diferente daquele do filósofo que remonta dos efeitos às causas, mesmo à Causa única e primeira, porque, “se eu posso captar um efeito como terminado, sem supor a Causa infinita que dá plena razão da sua produção, não posso captar a irrealidade de uma ‘superimposição’ qualquer, sem captar, intuitivamente, a surrealidade infinita do EU”. Georges Vallin. La Perspective métaphysique. p. 144. A equação básica do Vedanta exprime-se por essa “grande sentença” ([wiki base=”en”]mahavakya[/wiki]) da Mandukya Upanixade; ayam atma Brahma, “esse Eu é Brahman” (versículo 2).

Ananda Coomaraswamy: Coomaraswamy Civilização
Por isso, no coração desta Cidade de Deus mora (sete) o Eu onisciente e imortal, “este Eu e Soberano imortal do eu”, como Senhor de tudo, Protetor de tudo, Regente de todos os seres e Controlador Interno de todas as forças da alma que o cercam como se fossem súditos;1 e “as forças da alma (devata, prana), a voz, a mente, a visão, a audição e o olfato rendem tributo a Ele (Brahma) que continua em Pessoa (purusha) e ali jaz estendido (uttanaya sayanaye) e entronizado (brahma-sandhim arudha, atrasada)”2.

Aqui a palavra estendido estabelece um significado já implicado na etimologia da cidade, em que kei inclui o sentido de deitar-se estendido ou alongado.3 A raiz contida em estendido e em uttana é a raiz grega teino e a sanscrítica tan com o significado de estender, prolongar (em grego tonos) um fio; daí também se derivam tom e tenuis, em sânscrito tanu ou fino.
En contextos igualmente indios, islámicos y cristianos nos encontramos con el pensamiento de que solo Dios es y de que solo Él puede decir propiamente «Yo»; como lo senala el Maestro Eckhart, «”Ego”, la palabra “Yo”, no es propia para nadie sino Dios en su mismidad» (Ed. Pfeiffer, p. 261), aunque, ciertamente, «nosotros no tenemos ningún medio de considerar lo que Dios es, sino más bien lo que no es» (Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica I.3.1)4. En otras palabras, este es un punto de vista que se ha mantenido casi universalmente; y así puede decirse, quizás, que solo para el «hombre de la calle», moderno e inensenado, la proposición «Sócrates es viejo», implicará que «Sócrates es». Por el contrario, para alguien que ha sido ensenado, será evidente que la proposición niega un ser a «Sócrates»; pues será consciente de que todo lo que ahora es viejo, debe haber sido joven y será más viejo, y de que en nuestra experiencia, exclusivamente de pasado y de futuro, no hay ningún «ahora» en el que podamos detenerle, para decir que él es esto o eso. Este hombre, Sócrates, no puede ser encontrado en ninguna parte.


Filosofia
Michel Henry:
Como o Eu é o Caminho quando este Caminho que conduz à Vida é a vida ela mesma, sua auto-revelação, tal é a questão. Com esta precisão, ou melhor esta lembrança: este Eu-aí que é o Caminho, não é não importa qual eu transcendental, não importa qual dentre nós. Este Eu é aquele do Arque-Filho e é somente ele que é o Caminho. Este Caminho que é o Arque-Filho, qual sua essência, a que conduz? Sua essência, é a Ipseidade transcendental original gerada pela Vida em sua auto-geração. Assim é “o Caminho que conduz a vida a ela mesma”, a contrição do Pai com si como sua contrição com o Filho e como contrição deste Filho com seu Pai. Elucidamos esta relação de interioridade recíproca, mas não é dela que aqui se trata. Manifestamente a palavra que comentamos se dirige aos homens. É a eles que o Cristo diz: “Sou Eu o Caminho”. É para eles que é este Caminho, “o Caminho que os conduz à Vida”, e é este que compreendemos. Pois a Vida não vem a eles, não vem neles para fazer deles viventes, senão porquanto ela se fez Ipseidade no Arque-Filho. Não é uma vida selvagem, anônima, inconsciente, vida que precisamente não existe, e não poderia existir sob esta forma, que pode se comunicar a um vivente qualquer. Mas somente esta vida que, de se fazer contrita si mesma em sua Ipseidade original, pode então se dar como uma vida fenomenologicamente efetiva, uma vida portando sua ipseidade a todo vivente, que poderá viver esta vida ipseizada como um eu vivente e desta maneira somente. Assim o Caminho que conduz os viventes à Vida é este caminho tornado vivente em sua Ipseidade original, a Vida do Arque-Filho. É esta vida em sua Ipseidade original que designa a palavra “Eu”.

  1. Brhadaranyaka Upanisad III.8.23, IV.4.22, Katha Upanishad II, 18, Mundaka Upanishad II.2.6.7, [wiki base=”en”]Maitri Upanishad[/wiki] VI.7 etc.[]
  2. Jaiminiya Upanishad Brahmana IV, 23.7-23-10, um tanto condensado.[]
  3. A extensão divina no espaço tridimensional do mundo que está preenchido desse modo é uma crucifixão cósmica à qual corresponde a crucifixão local em duas dimensões, isto é, até o ponto em que pensamos n’Ele de fato dividido por essa extensão, isto é, a ponto de conceber o nosso ser como nosso, com isso crucificando-O diariamente.[]
  4. Esto equivale a decir que solo puede describirse el cómo del fenómeno; su qué nos elude. Todo lenguaje que no es meramente indicativo debe ser metafísico o simbólico; o si no, debe recurrir a las negaciones. Estoy de acuerdo con el Profesor Urban en que todo lo que no puede expresarse literalmente no es por eso irreal, sino simplemente ni verdadero ni falso; ningún término relativo, tales como joven o viejo, o bueno o malo, pueden comunicar su esencia; los relativos son solo los nombres de sus modalidades, y no su nombre. Dios, como dice Nicolás de Cusa, está oculto de nosotros por estos pares de contrarios; y estos son las «Rocas Entrechocantes» de la gran tradición, entre las que nadie puede pasar sin ser cercenado de un apéndice característico, a saber, su hombre exterior; este «sí mismo» contingente es, de hecho, su «concesión a Cerbero».[]