Resta a hesitação de Felipe. Como vencer o paradoxo que confia ao visível a revelação do Invisível? Para que o Verbo tornado visível em sua Encarnação nos faça ver, nesta, o Verbo à semelhança do qual nós fomos feitos, não é preciso supor que Aquele que nós vemos — ou, antes, que eles viram, atestando, aliás, que o viram — é precisamente o Verbo? Não é preciso doravante crer n’Ele? O que é, então, crer, quando crer significa crer em Cristo?
Falamos muito mal da crença enquanto não tivermos efetuado o trabalho prévio que consiste em reconhecer o último fundamento fenomenológico disso de que falamos. Assim, tratamos espontaneamente o ato de crer como um ato do pensamento — um ato suscetível de fazer-ver o que ele pensa (seu cogitum); de maneira que, fazendo-o ver na claridade da evidência, já não poderíamos duvidar [378] dele. Relacionada ao pensamento e tratado como um modo deste, a crença já não pode ser senão uma forma inferior de pensamento, na medida em que jamais chega a ter uma evidência clara daquilo em que crê. Esse desvanecimento do conteúdo da crença diante da própria crença identificada com um ato de pensamento não nos reconduz ao último fundamento fenomenológico qlue buscamos, a esse lugar estranho ao mundo, a todo ver e todo pensamento onde crença e fé são possíveis, onde tudo é dado sem divisão nem distância: na autorrevelação da Vida absoluta em seu Verbo?
“Eu creio em Cristo” quer dizer: “Estou certo da verdade que há n’Ele”. E, na medida em que, na vida, toda relação se edifica entre dois Sis transcendentais, entre “eus”, “Estou certo da verdade que há n’Ele” quer dizer: “Estou certo da Verdade que há em Ti”. Mas como posso estar certo da verdade que há n’Aquele a quem eu digo “Ti”, senão porque sua Verdade está em mim? O que supõe, em primeiro lugar, que a verdade que está em mim — minha própria certeza –, sendo a verdade que está n’Ele, lhe é homogênea, não sendo, com efeito, nenhum pensamento, não sendo a certeza de um pensamento, mas essa verdade própria do Verbo, a Verdade da Vida, a Arqui-inteligibilidade de que falamos. (Michel Henry, MHE)