Schumacher: A GUIDE FOR THE PERPLEXED
Quando lidando com algo representando um grau de significância ou Nível de Ser mais elevado que a matéria inanimada, o observador depende não somente da adequação de suas próprias qualidades superiores, talvez «desenvolvidas» através do ensino e do aprendizado; depende também da adequação de sua «fé» ou colocando mais convencionalmente, de suas pressuposições fundamentais e suposições básicas. Neste respeito tende a ser um filho de seu tempo e da civilização na qual passou seus anos de formação; pois a mente humana, geralmente, não apenas pensa: pensa com ideias, a maioria das quais simplesmente adota e toma da sociedade que a cerca.
Nada há mais difícil do que se tornar criticamente ciente das pressuposições de seu pensamento. Tudo pode ser visto diretamente exceto o olho através do qual vemos. Todo pensamento pode ser escrutinado diretamente exceto o pensamento pelo qual escrutinamos. Um esforço especial, um esforço de auto-ciência, é necessário: essa façanha quase impossível do pensamento recolhendo-se sobre si mesmo — quase impossível mas não tanto. De fato, este é o poder que faz o homem humano e também capaz de transcender sua humanidade. Jaz no que a Bíblia denomina as «partes interiores» do homem. Onde «interior» corresponde a «superior» e «exterior» corresponde a «inferior». Os sentidos são os instrumentos mais exteriores; quando é o caso, «eles, vendo, não veem; e ouvindo, não ouvem», a falha não se encontra nos sentidos mas nas partes interiores — «pois o coração das pessoas está encoberto»; falham em «compreender com seu coração». Somente através do «coração» pode contato ser feito com os graus de significância e Níveis de Ser.
A fé não está em conflito com a razão, nem é um substituto para a razão. A fé escolhe o grau de significância ou Nível de Ser que a busca por conhecimento e compreensão deve ter como meta. Há uma fé racional e há uma fé irracional. Buscar sentido e propósito ao nível da matéria inanimada seria um ato de fé tão irracional como uma tentativa de «explicar» as obras magnas do gênio humano como nada mais que o resultado de interesses econômicos ou frustrações sexuais. A fé do agnóstico é talvez a mais irracional de todas, porque, a menos que seja mera camuflagem, é uma decisão por tratar a questão da significância como insignificante, como dizendo: «Não quero decidir se um livro é meramente uma forma colorida, uma série de marcas sobre papel, uma série de letras ordenadas de acordo com certas regras, ou uma expressão de significado». Não é de surpreender, que a sabedoria tradicional sempre tratou o agnóstico com desprezo.
Dificilmente pode ser tomado como um ato de fé irracional aceitar o testemunho de profetas, sábios e santos que, em diferentes linguagens mas com virtualmente uma voz, declaram que o livro deste mundo não é meramente uma forma colorida mas uma expressão de significado; que há Níveis de Ser acima da humanidade; e que o homem pode alcançar estes níveis mais elevados desde que permita a sua razão ser guiada pela fé. Ninguém mais claramente descreveu a possível jornada do homem para a verdade do que Agostinho de Hipona:
O primeiro passo adiante… será ver que a atenção é atada à verdade. Certamente a fé não vê a verdade claramente, mas tem um olho para ela, assim por dizer, que a capacita a ver que uma coisa é verdadeira mesmo quando não vê a razão para tal. Não vê ainda a coisa que crê, mas pelo menos conhece por certo que não a vê e que é verdade apesar de tudo. Esta posse através da fé de uma verdade oculta porém certa é a própria coisa que impele a mente a penetrar seu conteúdo, e dar a fórmula, «Crede para poder compreender» (Crede ut intelligas), seu pleno significado. (apud Etienne Gilson)
Com a luz do intelecto podemos ver coisas que são invisíveis a nossos sentidos corporais. Ninguém nega que verdades geométricas e matemáticas são «vistas» desta maneira. Provar uma proposição significa dar a ela uma forma, pela análise, simplificação, transformação, ou dissecação, através da qual a verdade pode ser vista; além deste ver não há nem possibilidade nem necessidade de qualquer outra prova.
Podemos ver com a luz do intelecto coisas que estão além da matemática e da geometria? De novo, ninguém nega que podemos ver o que outra pessoa significa, algumas vezes mesmo quando não se expressa acuradamente. Nossa linguagem do dia a dia é uma testemunha constante deste poder de ver, de apreender ideias, que é bastante diferente dos processos de pensar e formar opiniões. Produz instantâneos de compreensão:
Até onde Agostinho se refere, a fé é o coração da questão. A fé nos diz o que há para compreender; purifica o coração, e assim permite a razão beneficiar da discussão; capacita a razão para alcançar uma compreensão da revelação de Deus. Em resumo, quando Agostinho fala de compreensão, tem sempre em mente o produto de uma atividade racional para a qual a fé prepara o caminho. (Etienne GIlson)
Como os budistas dizem, a fé abre o «olho da verdade», também chamado o «Olho do Coração» ou o «Olho da Alma». Agostinho insistia que «todo nosso afazer nesta vida é restaurar a saúde do olho do coração através do qual Deus pode ser visto». O grande sufi persa Rumi diz do «olho do coração, que é setenta vezes e do qual estes dois olhos sensíveis são apenas os coletores»; enquanto John Smith o Platonista aconselha: «Devemos fechar os olhos dos sentidos, e abrir este brilhante olho de nossa compreensão, esse outro olho da alma, como o filósofo chama nossa faculdade intelectual, que de fato todos têm, mas poucos usam». O teólogo escocês Ricardo de São-Victor diz: Pois o sentido exterior apenas percebe coisas visíveis e só o olho do coração vê o invisível».