Ele escolheu conduzir nos montes uma vida solitária, afastada do tumulto das praças e dedicada a guardar os rebanhos no deserto. A história nos conta (Ex 3, 1-6) que, passado algum tempo nesta vida, Moisés recebeu uma surpreendente aparição de Deus: em um tranqüilo meio dia, reluziu ante seus olhos uma luz mais forte que a luz do sol; estranhando o inusitado do espetáculo, levantou os olhos para o monte e viu um arbusto do qual saia um resplendor como de fogo. Como os ramos da planta estavam verdes como se as chamas fossem orvalho, disse a si mesmo estas palavras: vamos e vejamos este grande espetáculo. Isto nos diz que o prodígio da luz não somente se mostrou a seus olhos mas, o que é mais impressionante de tudo, seus ouvidos foram iluminados com os resplendores da luz. Com efeito, a graça da luz foi distribuída a ambos os sentidos: os olhos foram iluminados com os resplendores da luz, e os ouvidos foram levados à luz com instruções puríssimas. Isto é, a voz que saía daquela luz proibiu Moisés de aproximar-se do monte com calçados feitos de peles mortas; quando ele livrou seus pés dos calçados, tocou assim aquela terra que estava iluminada com a luz divina. Depois dessas coisas, não julgo oportuno que o discurso se entretenha muito na história deste homem, para ater-nos mais a nosso propósito, fortalecido com a teofania que vira, recebeu a missão de livrar o seu povo da escravidão dos egípcios. E para que melhor se convencesse da força que recebia do alto, ele, por disposição de Deus, faz a experiência com o que tem nas mãos. Esta foi a experiência: o bastão que sua mão deixou cair se animou, e quando foi retomado por suas mãos, voltou a ser o que era antes de transformar-se em animal. Depois o aspecto de sua mão quando a tira do seio se transforma em um branco como de neve, e reintroduzida ao seio recobra seu aspecto natural (Ex 4, 2-7). Quando Moisés descia do Egito levando consigo sua esposa, que era estrangeira, e os filhos que tinha tido com ela, conta-se que um ANJO saiu-lhe ao encontro causando-lhe um medo de morte, e que a mulher o aplacou com o sangue da circuncisão do menino. Foi então que ocorreu o encontro com Aarão que fora impelido por Deus para este encontro (Ex 4, 24-28). Ambos convocam então o povo para uma assembléia geral e anunciam aos que estavam oprimidos pelo padecimento dos trabalhos, a libertação da escravidão. Sobre este tema ele teve uma conversa com o tirano. Por causa dessas coisas, aumentou a cólera do tirano contra os que dirigiam os trabalhos e contra os israelitas: aumentou então o tributo de ladrilhos, e enviou uma ordem mais pesada, de forma que os israelitas não só padeciam pelo barro, mas também eram sobrecarregados por causa da palha e das canas (Ex 5, 1-23). Depois o Faraó, este era o nome do tirano egípcio, tentou fazer frente, com os encantamentos dos feiticeiros, aos prodígios que eles faziam pela vontade de Deus. Quando Moisés tornou a converter seu bastão em animal ante os olhos dos egípcios, a magia pareceu realizar o mesmo prodígio nos bastões dos magos. Porem o engano foi desmascarado, pois a serpente surgida da transformação do bastão de Moisés, ao comer os troncos dos magos, isto é, as serpentes, demonstrou assim que os bastões dos magos não tinham nenhuma força para se defender e nem para viver, mas apenas a aparência de um truque mágico para verem os olhos daqueles que eram fáceis de enganar (Ex 7, 8-12). Quando Moisés viu que todos os súditos estavam de acordo com o príncipe da maldade, fez vir uma praga geral sobre todo o povo egípcio, sem que ninguém escapasse da experiência dos males. E para infligir este castigo aos egípcios, cooperaram com ele os mesmos elementos que vemos no universo: a terra, a água, o ar, o fogo, que trocaram suas forças conforme a vontade dos homens. HISTÓRIA DE MOISÉS 2.
Moisés chegou então a isto, e agora chega também todo aquele que, seguindo seu exemplo, despoja a si mesmo de sua envoltura terrena e olha para a luz que sai da sarça, isto é, o raio de luz que nos ilumina através da carne cheia de espinhos, que é, como diz o Evangelho, a luz verdadeira (Jo 1, 19) e a verdade (Jo 14, 6). Então este chega a ser capaz de prestar ajuda aos demais no sentido da salvação, de destruir a tirania daquele que domina com artes más, e de encaminhar à liberdade os que estão debaixo da tirania de perversa escravidão. A transformação da mão direita e a mudança do bastão em serpente (Ex 4, 3-7) são o começo dos prodígios. Parece-me que nestes prodígios se dá a entender simbolicamente o mistério da manifestação da Divindade aos homens através da carne do Senhor, graças à qual tem lugar a destruição do tirano e a libertação dos que estão oprimidos por ele. Leva-me a esta interpretação o testemunho profético e evangélico. Pois o profeta diz: Esta é a mudança da destra do Altíssimo (Sal 76, 11), como se a Divindade, considerada imutável, se houvesse mudado conforme nosso aspecto e figura por condescendência para com a debilidade da natureza humana. A mão do Legislador tomou uma cor distinta da que lhe é natural ao ser tirada do peito; voltando novamente ao peito, tornou à beleza que lhe era própria e natural. O Deus Unigênito, o que está no seio do Pai (Jo 1, 18), é a direita do Altíssimo (Sal 76, 11). Quando se manifestou a nós saindo do seio, se transformou conforme nossa forma de ser; depois de haver curado nossa enfermidade, novamente recolheu ao próprio seio, o seio da direita do Pai, a mão que havia estado entre nós e que havia tomado nossa cor. Então não tornou passível o que era de natureza impassível, mas por sua comunicação com o que era impassível transformou em impassibilidade aquilo que era mutável e passível. A transformação do bastão em serpente não há de perturbar os amigos de Cristo como se tivéssemos que harmonizar a palavra do mistério com um animal que lhe é oposto (Ex 4, 3; 7, 10 e Nm 21, 9). A verdade mesma não afasta esta imagem quando diz com a voz do Evangelho: Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do homem (Jo 3, 14). O sentido é claro. Se o pai do pecado foi chamado serpente pela Sagrada Escritura (Gn 3, 1), e o que nasce da serpente é verdadeiramente serpente, segue-se que o pecado tem o mesmo nome daquele que o gerou. Pois bem, a palavra do Apóstolo dá testemunho de que o Senhor se fez pecado por nós (2Co 5, 21), ao revestir-se de nossa natureza pecadora. O símbolo se acomoda ao Senhor como foi dito. De fato, se a serpente é pecado e o Senhor se fez pecado, a conseqüência que se segue será evidente a todos : que quem se fez pecado, se fez serpente, a qual não é outra coisa senão pecado. Se fez serpente por nós para comer e destruir as serpentes dos egípcios produzidas pelos magos. Uma vez feito isto, a serpente se transforma novamente em bastão (Ex 7, 12) com o qual são castigados os que pecam, e são aliviados os que sobem o caminho escarpado da virtude, apoiando-se no bastão da fé por meio das boas esperanças. A fé é, na verdade, a substância das coisas que se esperam (Hb 11, 1). Quem chegou ao entendimento destas coisas é como um deus em relação àqueles que, seduzidos pela ilusão material e sem substância, opõem-se à verdade e julgam coisa vã escutar falar a respeito do ser. Pois disse o Faraó : Quem é ele para que eu escute sua voz? Não conheço o Senhor (Ex 5, 2). O Faraó só julga digno aquilo que é material e carnal, as coisas que caem sob as sensações irracionais. Ao contrário, se alguém tiver sido fortalecido pela iluminação da luz, e tiver recebido tanta força e tanto poder contra os adversários, então, como um atleta convenientemente preparado por seu treinador nos varonis exercícios do esporte, se dispõe, confiante e audaz, para o ataque dos inimigos, tendo na mão aquele bastão, isto é, o ensinamento da fé, com o que há de triunfar sobre as serpentes egípcias. A mulher de Moisés, saída de um povo estrangeiro (Ex 4, 20), o acompanhará. Há algo nada desprezível da cultura pagã para nossa união com ela com a finalidade de gerar a virtude. Com efeito, a filosofia moral e a filosofia da natureza podem chegar a ser esposa, amiga e companheira para uma vida mais elevada, com a condição de que os frutos que procedem delas não conservem nada da imundície estrangeira. Pois se esta sujeira não tiver sido circuncidada e cortada ao meio até o ponto em que todo o daninho e impuro haja sido arrancado fora, o ANJO que lhes sai ao encontro lhes causará um terror de morte. A mulher o aplaca mostrando-lhe seu filho purificado pela ablação do sinal pelo qual se reconhece o estrangeiro (Ex 4, 24-26). Julgo que a quem esteja iniciado na interpretação da história será patente, por tudo que se disse, a continuidade do progresso na virtude que mostra o discurso seguindo, passo a passo, a conexão dos acontecimentos simbólicos da história. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 4.
De fato, há algo carnal e incircunciso nos ensinamentos gerados pela filosofia; quando isto é cortado, o que fica é de pura razão judía. Por exemplo, a filosofia pagã disse que a alma era imortal. Este é um fruto conforme à piedade. Porem ela ensina também que transmigra de uns corpos a outros, e que passa da natureza racional para a irracional : isto é uma incircuncisão carnal e estrangeira. E assim muitas outras coisas. Diz que existe Deus, porem pensa que é material. Confessa que existe o demiurgo, porem que necessita de uma matéria prévia para fazer o mundo. Concede que é bom e poderoso, porem que obedece em muitas coisas à necessidade do destino. E se alguém se detivesse em cada questão, poderia ver como, na filosofia pagã, os formosos ensinamentos se encontram maculados com acréscimos absurdos que, se fossem cortados ao meio, o ANJO de Deus lhes seria propício, alegrando-se do fruto legítimo destes ensinamentos. Mas temos que voltar à seqüência do texto, de forma que também a nós, que estamos perto da luta com os egípcios, nos saia ao encontro a ajuda fraterna. Recordamos, com efeito, que desde o princípio da vida virtuosa tem lugar para Moisés um encontro hostil e guerreiro : o do egípcio que oprimia o hebreu e o do hebreu que lutava contra seu compatriota (Ex 2, 11-15). INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 5.
Por outro lado, uma vez que por seu grande esforço e pela iluminação que recebeu no cume se elevou à maior das ações da alma, tem lugar um encontro amigável e pacífico, pois Deus moveu seu irmão para que saísse a seu encontro (Ex 4, 27). Se o que acontece na história for interpretado em sentido alegórico, talvez não se encontre nada que seja alheio a nosso propósito. A quem se dedica ao progresso na virtude, assiste uma ajuda dada por Deus a nossa natureza, que é anterior a nós quanto a sua origem, mas que se mostra e se dá a conhecer quando nos dispomos a combates mais fortes, depois de havermos nos familiarizado suficientemente, com cuidado e diligência, com a vida mais elevada. Para não explicar alguns enigmas por meio de outro enigma, exporei mais claramente o sentido desta passagem. Existe uma doutrina que merece credibilidade por pertencer à tradição dos Pais. Diz que, depois da queda de nossa natureza no pecado, Deus não contemplou nossa desgraça indiferentemente, mas que colocou perto, como ajuda para a vida de cada um, um ANJO que recebeu uma natureza incorpórea (Mt 18, 10- 11); e que em oposição, o corruptor da natureza maquinou algo parecido, danificando a vida do homem mediante um demônio perverso e malvado. Como conseqüência, o homem se encontra entre esses dois que o acompanham com propósitos contrários, e pode por si mesmo fazer triunfar um ou outro. O bom mostra ao pensamento os bens da virtude como são contemplados em esperança por aqueles que agem retamente; o outro mostra os sujos prazeres nos que não existe nenhuma esperança de bem, pois inclusive o prazer imediato, o que se apreende e se pega, escraviza os sentidos dos tontos. Porem se alguém se afasta dos que induzem ao mal, dirige seus pensamentos ao melhor e volta as costas – por assim dizer – ao vício, põe sua própria alma – que é como um espelho -, frente à esperança dos bens, e assim imprime na pureza da própria alma as imagens e reflexos da virtude que lhe é mostrada por Deus. É então que a companhia do irmão lhe sai ao encontro e o assiste (Ex 4, 27). Pela racionalidade e intelectualidade da alma humana, pode-se, de certo modo, chamar irmão ao ANJO. Este, como já dissemos, aparece e socorre quando nos aproximamos do Faraó. Que ninguém pense que a narração da história corresponde tão absolutamente com a ilação desta consideração espiritual, que se encontrar algo do escrito que não concorda com esta interpretação, por este algo que não concorda rechace o todo. Que tenha sempre presente a finalidade de nossas palavras, a qual temos presente ao expor estas coisas. Já adiantamos no prefácio a afirmação de que as vidas dos grandes homens são colocadas como exemplos de virtude para a posteridade. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 6.
Não é possível que aqueles que desejam imita-los passem pela mesma materialidade dos feitos. Como, de fato, se poderia encontrar novamente o povo que se multiplicou depois de sua emigração do Egito, e como se poderia encontrar também o tirano que o escravizou comportando-se malvadamente com a descendência masculina e permitindo à descendência mais branda e fraca aumentar até se converter em multidão, e assim todas as outras coisas que aparecem na narração? Uma vez que podemos ver que, na materialidade mesma dos feitos, não é possível imitar os gestos maravilhosos destes bem aventurados, só havemos de transferir de seu acontecer material o ensinamento moral daqueles acontecimentos que assim o admitam, dos que oferecem, para quem se esforça por conseguir a virtude, algum estímulo até este gênero de vida. E se, por força, algum dos fatos que contem a história sai da ordem e da coerência com a interpretação que propusemos, passaremos por alto como algo inútil e sem proveito para nossa finalidade. Desta forma conseguiremos não interromper a exegese relativa à virtude. Digo isto pela interpretação em relação a Aarão, prevendo uma objeção ao que segue. Com efeito, alguém dirá que não repele o fato de que o ANJO tenha semelhança com a alma quanto à incorporalidade e à capacidade de entender; que não nega o fato de que sua criação tenha tido lugar antes da nossa, nem que assista aos que lutam contra os adversários; porem que não parece bem entender como imagem sua a Aarão, que conduz os israelitas à idolatria. Antecipando a ordem do relato, responderemos a isto com o que já dissemos: que um episódio estranho não desvirtua a coerência dos demais fatos, e que, se o mesmo nome designa o papel do ANJO e do irmão, se acomoda também a cada um segundo significados contrários. Com efeito, não só se diz ANJO de Deus, mas também de Satanás (2Co 12, 7), e chamamos irmão não só ao bom, mas também ao mau. A Escritura fala dos bons quando diz : Os irmãos serão úteis na necessidade (Pr 17, 17). E dos perversos quando diz : Todo irmão prepara armadilha (Jr 9, 3). Após dizer isto a margem da ordem do discurso e deixando para seu lugar adequado uma consideração mais profunda destas questões, voltemos aos temas que nos propusemos. Moisés, fortalecido com a luz que o iluminou e tendo recebido seu irmão como companheiro de luta e como ajuda, fala ao povo valentemente sobre a liberdade, recordando-lhes a grandeza pátria, e lhes dá a conhecer como poderão se livrar da fadiga do barro dos ladrilhos (Ex 4, 29-31). Que nos ensina a história com estas coisas? Que não se deve atrever a falar ao povo aquele que não tiver cultivado sua forma de dizer com uma educação adequada para dirigir-se a muitos. Não vês, de fato, como Moisés, quando ainda era jovem, antes de crescer em capacidade, não foi aceito como digno conselheiro de paz por aqueles dois homens que estavam lutando e agora, ao contrário, fala ao mesmo tempo a milhares de pessoas? Podemos dizer que a história grita que não te atrevas a propor um ensinamento ou um conselho aos ouvintes, se antes não tiveres adquirido autoridade nisto mesmo através de muito estudo. Depois de pronunciar Moisés as mais valentes palavras e mostrar o caminho da liberdade excitando nos ouvintes o desejo dela, o inimigo se irrita e aumenta os sofrimentos dos que dão ouvido a estas palavras (Ex 5, 6-14). Tampouco isto é alheio ao que nos interessa agora. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 7.
Voltemos ao ponto em que estávamos. Aqueles que já avistam a virtude e seguem o Legislador em seu estilo de vida, quando abandonam os limites do domínio dos egípcios, são perseguidos pelos ataques das tentações que provocam ansiedades, medos e perigos em relação ao êxito final. Assustada por estas coisas, a alma dos principiantes na fé cai em completa desesperança em conseguir os bens. Porem, se Moisés ou alguém como ele se encontra à liderança do povo, ao medo se oporá o conselho, reconfortando a alma em seu desfalecimento com a esperança da ajuda divina. Mas isto não ocorrerá se o coração de quem está na liderança não fala com Deus. De fato, a muitos que estão colocados nesta posição só preocupa a maneira como se encontra organizado o que se vê, enquanto que as coisas que estão ocultas, que só são vistas por Deus, lhes produzem um cuidado pequeno. Não foi assim com Moisés. Quando exortava os israelitas a terem confiança, mesmo não pronunciando exteriormente nenhuma palavra dirigida a Deus, o próprio Deus testemunha que gritou (Ex 14, 13-15), ensinando-nos a Escritura – penso – que a voz que é sonora e sobe aos ouvidos divinos não é o clamor que tem lugar com vozes, mas o pensamento interior que sobe de uma consciência pura. A quem se encontra nesta situação, parece pequeno o irmão como ajuda para as maiores batalhas, refiro-me àquele irmão que saiu ao encontro de Moisés quando, conforme o mandado de Deus, se dirigia aos egípcios, e a quem nosso discurso apresentou em seu ministério de ANJO (Ex 4, 27). Agora tem lugar a manifestação do Ser transcendente, que se mostra de modo que possa ser captado por quem o recebe. Conhecemos pela história que isto aconteceu então e sabemos pela interpretação espiritual que isto ocorre sempre. De fato, cada vez que alguém foge do egípcio e, ao chegar fora de seus territórios, se assusta ante os ataques das tentações, e quando o inimigo rodeando com suas forças o perseguido só lhe deixa disponível o mar, o guia, isto é, a nuvem, lhe mostra a salvação imprevista que vem de cima. Até ali, ao mar, o conduz o guia, quer dizer, a nuvem (Ex 13, 21). Os que nos precederam interpretaram este nome dado ao guia como a graça do Espírito Santo que conduz ao bem os que são dignos. O que a segue atravessa a água, enquanto o guia lhe abre nela uma passagem estreita através da qual se realiza um caminhar seguro até a liberdade, onde desaparece debaixo da água aquele que o perseguia para escravizar. Quem ouve isto, talvez reconheça o mistério da água a que alguém desce junto com todo o exército do inimigo e da qual emerge só, depois de se afogar na água o exército inimigo (Ex 14, 26-30). Pois quem desconhece que o exército egípcio significa as diversas paixões da alma às quais se escraviza o homem? Isto são os cavalos, isto são os carros e os que estão montados neles; isto são os arqueiros, e os infantes e o resto do exército dos inimigos (Ex 14, 9). De fato, em que se diria que os movimentos de cólera ou os impulsos ao prazer, à tristeza e à avareza diferem do exército que acabamos de mencionar? A afronta é pedra lançada pela funda, e o ataque de cólera é lança que agita sua ponta, enquanto que os cavalos que puxam os carros com impulso irrefreável podem ser entendidos como o afã de prazeres. Nos três homens montados no carro – a quem a história chama tristates (Ex 14, 7) -, e que são levados por ele, reconhecerás, instruído pelo simbolismo do montante e das ombreiras das portas, a tríplice divisão da alma, pensando no racional, no concupiscível e no irascível. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 16.