Patrick Laude — Orar sem cessar
O Caminho da Invocação nas Religiões
Antologia organizada por Patrick Laude, professor na Universidade de Georgetown. Seus trabalhos mais notáveis acompanham de muito perto o ensinamento de Frithjof Schuon, destacando uma biografia que mais que relatar a vida deste perenialista, elabora uma verdadeira síntese de seu pensamento.
Laude, Patrick — página do autor em sua editora.
Introdução
É amplamente reconhecido em todos os mundos religiosos que nada é mais importante que a oração, posto que ela envolve um relacionamento direto entre o Divino e o humano. Nada pode ser considerado mais espiritualmente necessário que a oração posto que entre todas as possíveis ações nenhuma engaja tão diretamente como comunicação com o Grande Mistério. Uma obra de caridade, por exemplo, poderia ser considerada prima facie tão importante como a oração, ou poderia ser vista como uma extensão e uma consequência da oração na medida que é centrada em uma consciência do Divino; mas é, no entanto, contingente quanto a circunstâncias e necessidades particulares, enquanto a oração como tal é totalmente incondicionada posto que expressa a verdadeira essência da estação humana diante do Uno.
A oração define a essência da condição humana porque o homem foi “criado para conhecer, amar e servir Deus”, e como poderia isto ser alcançado melhor do que através da oração, que é tanto doação de si mesmo a Deus, e conhecimento de sua Realidade através e nesta doação? Que a oração seja considerada como um modo de conhecimento pode surpreender àqueles que foram condicionados a limitar o conhecimento às questões da mente, portanto ignorando o fato que o mais profundo e verídico conhecimento habita no coração, o verdadeiro centro do ser humano. Neste sentido, o conhecimento envolve um sentido de totalidade que aponta para sua relação com o amor, compreendido como um anseio pela realidade, verdade, bondade e beleza. A oração é a própria linguagem deste amor, seja sob a forma de um diálogo entre a alma amante e o amado Divino, ou ou uma aspiração nostálgica em direção à união com Deus. E a oração é finalmente serviço — um ponto muito esquecido por um mundo prenhe de ações exteriores — porque o melhor caminho para servir a Deus é dar-se a si mesmo a Ele através da oração, e descobrir, como um resultado desta doação, os modos específicos nos quais podemos melhor ser seus amorosos servos, assim como servir a nossos próximos.
Evidente se torna que não há tradição espiritual que não deposite uma forte ênfase na oração como conexão central entre o humano e o Divino. Isto permanece válido se o modo deste relacionamento for compreendido em termos de uma comunicação verbal, ou como uma instância de comunicação silenciosa. Embora alguns dos modos mais elevados de meditação, como das técnicas da Ioga ou do zazen japonês, mão parecem de imediato se ajustar a categoria de oração em sua acepção comum, eles não são menos dependentes de uma atitude devocional. No contexto do Zen, por exemplo, a resposta de Huang-Po à perplexidade de seu discípulo por ele estar prestando uma homenagem devocional ao Buda — “Não busco através do Buda, nem do Dharma, nem através do Sangha; apenas vou fazendo este ato de piedade ao Buda” (Suzuki, Introdução ao Zen Budismo) — ilustra a função da oração, em seu sentido mais geral, em qualquer tentativa de transcender os limites da consciência egocêntrica. Pois uma vida espiritual autêntica por definição pressupõe alguma medida de liberação do cativeiro da subjetividade psíquica. No exemplo de Huang Po, um sentido concreto da necessidade de largar qualquer busca centrada no ego, embora espiritualmente disfarçada, anda de mãos dadas com a aceitação da nossa limitação como expressa em um curvar-se reverencial diante da forma cristalina Daquele que ultrapassa a compreensão e a busca humanas. Este ponto é corroborado pelo fato o Ioga indiano ele mesmo, tão centrado quanto seja puramente nos meios técnicos de despertar o nexo espiritual das energias latentes, coloca a devoção entre as cinco prescrições (niyama) que são, juntamente com outras cinco prescrições (yama), requisitos estritamente preliminares para qualquer realização espiritual ao longo do caminho do Ioga. Esta devoção é definida como um esforço para agir enquanto mantendo seus olhos constantemente mirando o Senhor (Upanixades do Ioga, Jean Varenne).
A oração é tanto um ato do indivíduo quanto uma demanda universal da condição humana. É expressa, no nível mais elementar na urgência de uma chamada vocal ou silenciosa a Deus, ou em um diálogo com Ele. É também sintetizada, de maneira eminente e normativa, em um sem número de orações reveladas e inspiradas pelas quais os crentes de uma dada fé descobrem palavras consagradas com as quais falar a Deus. Estas são frequentemente orações primeiramente pronunciadas pelos fundadores das religiões da humanidade, como o Pai Nosso ensinado por Jesus ou os Salmos de Davi, e funcionaram como os protótipos de toda oração individual. Estas orações são também frequentemente integradas em rituais diários, e sinteticamente contêm tudo que os seres humanos necessitam para dar expressão a seu relacionamento com o Divino.
Um dos aspectos errôneos do conceito comum de oração está no pressuposto que a oração é necessariamente associada com uma atitude de pedir, ou mesmo de implorar. É fato que estas atitudes podem, e de certo modo devem, entrar na economia da devoção. Diante do Absoluto o homem nada mais é que um “pedinte”. Entretanto o mais profundo mistério da oração está além de qualquer pedido. Sua morada é no amor, ou no desejo irreprimível de ser uno com o Amada, e — mesmo além — pertence a uma necessidade de Realidade e Conhecimento de Si Mesmo. A verdadeira finalidade da oração não é realizar um pedido — que levou alguns escritores místicos como Simone Weil a rejeitá-la, sem dúvida hiperbolicamente, como incompatível com o “puro Amor” — mas a modificação de si mesmo pelo contato com o poder transformador do Divino. É neste contexto que o caminho da invocação aparece como a essência e a perfeição de todas as orações, e como o mais poderoso transformador de todas as ações.
Excertos:
*INVOCAÇÃO