Kristeller Garin

Renascimento Humanismo — Teses de Kristeller e de Garin
Contraposição das teses de Kristeller e Garin sobre o humanismo renascentista
Excertos de análise de G. Reale

Na realidade, as teses contrapostas de Kristeller e de Garin revelam-se muito fecundas precisamente por sua antítese, porque uma destaca aquilo que a outra silencia, podendo portanto ser interpretadas entre si, se prescindirmos de alguns pressupostos dos dois autores. E verdade que, originalmente, o termo “humanista” indica o ofício do literato, mas essa profissão vai bem além do simples ensino universitário, entrando na vida ativa, iluminando os problemas da vida cotidiana, fazendo-se verdadeiramente uma “nova filosofia”.

Ademais, o humanista distingue-se efetivamente pelo novo modo como lê os clássicos: houve um humanismo literário porque surgiram um novo espírito, uma nova sensibilidade e um novo gosto, com os quais as letras foram revisitadas. E o antigo alimentou o novo espírito, porque este, por seu turno, iluminou o antigo com uma nova luz.

Kristeller tem razão quando lamenta que o aristotelismo renascentista seja um capítulo a ser reestudado ex novo e também tem razão ao insistir no paralelismo desse movimento com o movimento propriamente literário. Mas o próprio Kristeller admite que o Aristóteles desse período é um Aristóteles frequentemente procurado e lido no texto original, sem a mediação das traduções e das exegeses medievais, tanto que chega até a retornar aos comentadores gregos para ser iluminado. Assim, trata-se de um Aristóteles revisitado com um novo espírito, que só o “humanismo” pode explicar. Portanto, Garin tem razão ao destacar o fato de que o humanismo olha o passado com novos olhos, com os olhos da “história”, e que só atentando para esse fato é que se pode compreender toda essa época.

E a aquisição do sentido da história, ao mesmo tempo, significa aquisição do sentido de sua própria individualidade e originalidade. Só se pode compreender o passado do homem quando se compreende a sua “diversidade” em relação ao presente e, portanto, quando se compreende a “peculiaridade” e a “especificidade” do presente.

Por fim, no que se refere à excessiva vinculação do humanismo aos fatos políticos, que leva Garin a algumas afirmações que correm o risco de cair no historicismo sociologista, basta destacar que a grande mudança do pensamento humanista não está ligada somente a uma mudança política, mas também à descoberta e às traduções de Hermes Trismegisto e dos profetas-magos, de Platão, de Plotino e de toda a tradição platônica, o que representou a abertura de novos e ilimitados horizontes, do que falaremos adiante. De resto, o próprio Garin não se deixou levar por excessos sociologistas, como, no entanto, fizeram outros intérpretes por ele influenciados.

Concluindo, podemos dizer que a marca que distingue o humanismo consiste em um novo sentido do homem e de seus problemas. É um novo sentido que encontra expressões multiformes e, por vezes, até opostas, mas sempre ricas e frequentemente muito originais. É um novo sentido que culmina nas celebrações teóricas da “dignidade do homem” como ser em certo sentido “extraordinário” em relação a toda a ordem do cosmos, como veremos adiante. Mas essas reflexões teóricas nada mais são do que expressões conceituais que têm nas representações da pintura, da escultura e de grande parte da poesia as suas correspondências visuais e fantástico-imaginativas, que, com a majestade, a harmonia e a beleza de sua figuração, expressam a mesma ideia, de vários modos em esplêndidas variações.