Julian de Norwich — BIOGRAFIA
Época de sua vida
Esses escassos dados biográficos dão alguns indícios importantes da formação espiritual e intelectual de Julian: nasceu no reinado de Eduardo III, logo depois que a Inglaterra e a França iniciaram uma série de guerras que durariam cem anos. Era um período de transição para funcionários públicos e eclesiásticos, embora muitos textos de história tenham-no descrito como época de decadência e corrupção. Ambas, a Guerra dos Cem Anos e a peste negra, têm sido culpadas pelo chamado colapso eclesial e político, mas as sementes da mudança desenvolviam-se já havia algum tempo, antes que essas crises externas abalassem a Inglaterra.
O impacto do cenário político e econômico em mudança teve uma influência um tanto surpreendente nos escritos místicos de Julian. Até a linguagem de seu texto sofreu influência da luta da Inglaterra para se tornar independente da França. No ano de 1380, o inglês começou a substituir o francês como língua oficial do povo. Junto com Geoffrey Chaucer e outros místicos ingleses, Julian iniciou o processo de escrever na língua inglesa da Idade Média. A tarefa de anglicizar seus pensamentos foi vantajosa para ela, que empregou as imagens pitorescas dos dialetos ingleses. A flexibilidade dessa nova linguagem, que ela criava à medida que escrevia, permitia-lhe expressar sua mensagem com uma estrutura retórica e gramatical nunca antes utilizada. Esse uso engenhoso da língua continua a se destacar porque muitas de suas figuras e imagens linguísticas nunca foram repetidas. No processo de estender e torcer as palavras, Julian criou um modo novo de falar sobre Deus. Expandiu e esclareceu a doutrina religiosa tradicional sobre a Santíssima Trindade, o papel de Jesus na Trindade, e o mistério da iniquidade, por meio da escolha precisa do vocabulário e da sensibilidade às metáforas bíblicas e medievais.
Além da sublevação política que acontecia à época, uma corrente de desastres naturais marcou a terra e afetou os ensinamentos de Julian. A maior parte da literatura do período reflete uma tendência ao pessimismo, originando-se do sofrimento imposto pela escassez de alimentos, pela peste bubônica e pelo desemprego. Os escritos de Julian proporcionaram agradável contraste ao estilo depressivo contemporâneo. Como muitos desses autores, ela abordou os temas de angústia e aflição, mas conseguiu apresentar essas desgraças dentro da visão de uma vida melhor, não apenas no céu, mas também no futuro previsível. Incentivou os companheiros de fé a olhar além de seus apuros desagradáveis e incentivou-os a lidar com as desgraças prestando atenção ao próximo e estendendo compaixão a todos os necessitados. Sua fé profunda e sua perspectiva otimista aquietaram parte do descontentamento que aflorava entre seus pares, mas os sinais de insatisfação estavam aumentando. Havia um crescente sentimento de frustração com a tributação imposta pelo governo e o espírito de legalismo dentro da igreja instituída. A pregação dos frades mendicantes elevara o status intelectual do povo, o que provocou irreversíveis rumores de insatisfação nos escalões inferiores das estruturas eclesial e política. Armados de um novo sentimento de consciência social, os leigos agora questionavam as normas de propriedade de terras pelos mosteiros maiores e censuravam a falta de liderança dos clérigos. Durante algum tempo, os frades que fizeram as prédicas compensaram essa falta de orientação, mas os donativos a eles concedidos pelos ouvintes entusiasmados acabaram modificando a simplicidade que fora importante fonte de seu carisma espiritual.
Para alcançar o discernimento e o enriquecimento espiritual, as pessoas começaram a procurar a orientação de leigos importantes. Ficavam mais satisfeitas com os conselhos e ensinamentos recebidos dos escritores místicos e dos beguinos, e Julian salientou a bondade da criação e enfatizou a compaixão e a reverência de Deus por toda a criatura. Sua ênfase no amor pessoal de Deus pelas criaturas involuntariamente enfraqueceu o espírito de legalismo que proporcionava à liderança estabelecida um sentimento de segurança. Como Mestre Eckhart, Johannes Tauler e o autor da Theologia Germanica e The Cloud of Unknowing, Julian fez ligeiras referências às cerimônias da igreja. Diligentemente, esforçou-se por apresentar uma doutrina ortodoxa e submissa à aprovação, contudo, seu apelo ao coração e à consciência do indivíduo diminuiu a ênfase da confiança em uma religião sacerdotal.