Matthew Fox — Contribuição de Julian às necessidades espirituais de hoje
A divinização da humanidade.
Outro assunto que Julian ousa desenvolver é aquele tema rico da espiritualidade centralizada na criação da divinização da humanidade. Enquanto o cristianismo oriental jamais se esqueceu deste tema em sua teologia, o Ocidente lutou para mantê-lo vivo depois que a influência difundida da consciência culpada de Agostinho reduziu a salvação ao livramento do pecado, em vez do despertar para o potencial divino, para a beleza divina. A tradição de nossa divinização está bem documentada na literatura sapiencial, no tema tão pouco desenvolvido no Ocidente sobre o fato de sermos imagens de Deus, e em João e Paulo. Contudo, mesmo em nossa época, tradutores de Julian têm feito esforços para “limpar” as referências que ela faz à nossa divinização. De fato, o tema é bastante ortodoxo e, quando é abandonado, a espiritualidade costuma ser reduzida a maçantes pronunciamentos religiosos e legalismos improdutivos. Na verdade, o leitor de Julian faria bem em ter isso em mente e no coração, enquanto lê, discute e segue as meditações deste livro. Medite, por exemplo, nestas palavras: “Somos de Deus. E isso que somos. Não vi nenhuma diferença entre Deus e nossa Substância. Era como se fôssemos todos Deus”. Observe, entretanto, que Julian nunca confunde nossa divindade com o panteísmo, mas tem um entendimento bem desenvolvido e matizado do panenteísmo. Em continuação à frase que citei, ela diz: “Presumo que isso significa que nossa Substância está em Deus: isto é, Deus é Deus e nossa Substância é uma criatura de Deus”.
Outros temas. Em Julian, há um valioso tesouro de todos os temas da espiritualidade centralizada na criação para o leitor e rezador. Não apenas os cinco a que me referi, mas também os temas da Bênção Original (nenhum teólogo concentrado na criação dá muita importância ao pecado original). Julian diz: “Vi que Deus jamais começou a nos amar, pois… sempre estivemos na presciência divina, conhecidos e amados desde antes do princípio dos tempos”. Esteja atento a temas de gratidão, agradecimento, louvor. A temas de imagens ou modos de pensar dialéticos (tanto/quanto) distintos dos dualistas (ou/ou). De bom humor e riso. De escatologia compreendida. De alegria e ressurreição, de um misticismo do sepulcro vazio. Da salvação universal. De um perspicaz discernimento do pecado e do mal, sem exagerar a importância de nenhum deles. Da igreja como povo, do Novo Templo, do corpo místico. De confiança e não medo nem culpa como base de uma psicologia da espiritualidade. De um Deus vulnerável que sofre e que celebra.