(lat. casus; in. Fali; fr. Chute; al. Fali; it. Cadutà).
O mito da Queda, segundo o qual a alma humana teria decaído de um estado original de perfeição, no qual contemplava a verdade de frente, na bem-aventurança, é exposto em Fedro (248a ss.) de Platão e repetido por Plotino (Enn., VI, 9, 9), por outros neoplatônicos, petos gnósticos(y.) e pelos padres da Igreja Oriental. Orígenes explicou a formação do mundo sensível a partir da queda de substâncias intelectuais que habitavam o mundo inteligível: Queda devida à sua preguiça e à aversão ao esforço exigido pela prática do bem. Deus estabelecera que o bem dependeria exclusivamente da vontade dessas substâncias intelectuais e deu-lhes liberdade. Sua Queda (e assim a formação do mundo sensível) depende exclusivamente do mau uso dessas liberdades (De princ, II, o, 2; Fr. 23 A). Os gnósticos, ao contrário, negaram essa liberdade. No mundo moderno, a teoria da Queda foi retomada por Renouvier (Nova monadologia, 1899). O homem, saído das mãos de Deus como criatura livre, ao usar a liberdade provocou sua queda e, ao mesmo tempo, a ruína do mundo harmonioso criado por Deus. Poderá erguer-se através da própria liberdade e da sucessão de provas dolorosas que o reeducarão, devolvendo-o à harmonia original do universo (v. apocatástase). (Abbagnano)
Hans Jonas — Religião Gnóstica
Queda: Decadência, Naufrágio, Captura
Várias expressões manifestam a maneira como a vida foi levada a sua sina atual, a maioria descrevendo um processo passivo, mas algumas afirmando um lado ativo no processo. “A tribo das almas foi transportada aqui desde a casa da Luz”; “os tesouros da Vida que foram retirados de lá” ou “os quais foram trazidos aqui”.
Mais dramática a imagem da queda: a alma ou espírito, uma parte da primeira Vida ou da Luz, caiu no mundo no corpo. Este é um símbolo fundamental do Gnosticismo: uma queda pré-cósmica da parte do princípio divino subjaz à gênese do mundo e da existência humana na maioria dos sistemas gnósticos. “A luz caiu nas trevas” significa uma fase anterior do mesmo drama divino no qual “a Luz brilhou nas trevas” pode se referir a uma fase posterior. Divergem os relatos de como se deu esta queda e dos estágios em que se procedeu. Exceto no Maniqueísmo e nos tipos iranianos, onde todo o processo foi iniciado pelos poderes das trevas, há um elemento voluntarioso no movimento para baixo do divino: uma inclinação culpada da Alma, para os reinos inferiores, com motivações variadas tais como curiosidade, vaidade, desejo sensual, é o equivalente gnóstico do pecado original. Esta queda é pré-cósmica e uma das consequências do mundo ele mesmo, outra a condição e destino das almas individuais no mundo.
A Alma uma vez voltada para a matéria, tornou-se enamorada dela, e queimando com o desejo de experimentar os prazeres do corpo, ela não mais quis desengajar-se dele. Assim o mundo nasceu. Daquele momento a Alma esqueceu ela mesma. Ela esqueceu sua habitação original, seu verdadeiro centro, seu ser eterno. (El Chatibi dos Harranitas)
Segue-se um afundamento, mergulho, naufrágio da alma na direção para baixo. Alguma violência neste processo é por vezes relatado.
O termo “lançado” ou “jogado”, é destaque neste processo de descida ou queda, posto que está também associado ao simbolismo da “mistura”. Uma aproximação da noção de Geworfenheit, “pro-jeção”, na filosofia de Martin Heidegger seria interessante, segundo Jonas.
A Vida assim “jogada” no mundo expressa a condição e humor em um grupo de metáforas que se referem não ao “homem” no sentido ordinário, mas a seu protótipo, o “Homem”, do qual decorre a condição humana.