João Damasceno Alma

Discurso útil à alma

Discurso útil à alma

O homem é duplo, feito de alma (psyche) e corpo (sarx); seus sentidos e suas virtudes (arete) também são duplos: cinco sentidos da alma e cinco do corpo. Os sentidos da alma se denominam poderes ou faculdades: inteligência (nous), reflexão (dianoia), juízo, imaginação (phantasia) e percepção (epignosis). Os sentidos do corpo: visão, olfato, audição, sabor e sensação. Mas se as virtudes são duplas, também os vícios (kakia). É preciso saber quais são as virtudes da alma e as do corpo, e quais são as paixões da alma e as do corpo.

As virtudes da alma são quatro em geral: coragem, prudência (phronesis), castidade (parthenia), justiça (dike). Delas nascem as virtudes da alma: (pistis), esperança (elpis), amor (agape), a prece (euche), a humildade (tapeinophrosyne), a doçura (praotes), a paciência (hypomone), a resignação, a bondade, a calma, o conhecimento divino, o fervor, a simplicidade, a serenidade, a sinceridade, a ausência de presunção, de orgulho (hyperephania), de inveja (pleonexia), de esperteza e de avareza (philargyria), a compunção (katanyxis), o pudor, a piedade, a busca dos bens futuros, o direcionamento para o Reino de Deus, o desejo da adoção filial.

As virtudes do corpo são, sobretudo, os instrumentos das virtudes, elas se praticam com conhecimento de causa e segundo Deus, e fora de toda hipocrisia e de todo desejo de agradar aos homens; elas levam cada um a progredir na humildade (tapeinophrosyne) e a impassibilidade (apatheia). Estas são a temperança (enkrateia), o jejum, a fome, a sede, as vigílias, …, todo sofrimento e ascese do corpo. Basta a santa humildade e a ação de graças para realizar todas estas virtudes.

Os vícios da alma e do corpo, quer dizer as paixões pathos. As paixões da alma são esquecimento, negligência e ignorância; estes são os três vícios através dos quais o olho da alma — a inteligência — cego se submete a todas as paixões, que são a impiedade, a opinião falsa (a heresia), a blasfêmia, o ardor, a cólera, o azedume, o ataque de raiva, o ódio, o rancor, a calunia, a condenação, a tristeza, o pavor, a preguiça, a disputa, a rivalidade, a inveja, a vaidade, o orgulho, a hipocrisia, a mentira, a infidelidade, a avidez, o amor da matéria ….

O tratado se alonga arolando inúmeras classificações de estrutura da alma, das virtudes e dos vícios.