Jean Daniélou — JOÃO BATISTA
O profeta
É, em primeiro lugar, para anunciar a sua vinda que Deus chama João. Ele será chamado “profeta do Altíssimo” (Lc 1,76). Situa-se, desse modo, na sequência dos profetas que, antes dele, haviam sido chamados por Deus. E, sob certo aspecto, sua mensagem não é diferente da deles. Pois a profecia tem sempre como conteúdo o anúncio da vinda do Senhor. Ela enche o Antigo Testamento. É aquele dia da vinda, dies adventus (Mal 3,1), de que fala o profeta Malaquias, aquele em que o Senhor visitará a raça dos homens, citá-los-á em seu tribunal, libertará seu povo, criará Jerusalém para a alegria- Todo o Antigo Testamento é como que carregado por essa grande corrente da profecia. Entre todos os livros sagrados dos povos, é o que lhe dará seu caráter único. Ele é o livro das promessas de Deus, não o das nostalgias dos homens. Os profetas são aqueles que Deus enviou para proclamar essas promessas.
Mas, entre esses profetas, João, no entanto, é único. Ele é “mais que um profeta”, dirá dele Jesus (Lc 7,26). E acrescentará: “Não há nenhum profeta, entre os filhos das mulheres, maior do que João Batista” (Lc 7,28). De falo, ele não é só profeta, mas faz parte dos acontecimentos escatológicos anunciados pelos profetas. Estes haviam predito que a vinda de Deus seria preparada por um Enviado. Isaías falara da “voz daquele que clama no deserto: preparai os caminhos do Senhor” (40,3). Em Malaquias, diz Javé: “Eis que envio meu anjo que preparará os caminhos diante de minha face” (3,1).
Ora, no Novo Testamento, esses dois textos são retomados a propósito de João Batista, João os aplica a si mesmo, em primeiro lugar (Jo 1,23). Cristo aplica-os a João em segundo lugar, com uma notável modificação: “Eis que envio meu anjo diante de tua face, para preparar teu caminho diante de ti” (Lc 7,27). Aqui, é o Pai que fala, declarando ao Filho que ele enviará um mensageiro diante dele para preparar os caminhos. Temos aí um exemplo notável dessas interpretações do Antigo Testamento pelo Novo, que constituem uma das formas mais primitivas da literatura cristã.
Esse caráter excepcional de João se revelou aos próprios judeus, a ponto de se perguntarem se não era ele o Messias em pessoa. De fato, vemos sacerdotes e levitas interrogá-lo se é ele o Cristo ou o Profeta (Jo 1,20)- A ambiguidade era de todo possível para os judeus, que não podiam suspeitar que a vinda de Deus e a do Messias constituíssem um só acontecimento, estando o Verbo de Deus e o Messias unidos numa só pessoa, e que viam no Messias ou no Profeta o precursor da Visita escatológica de Deus.
O que dá a João esse caráter único é a proximidade do Novo Testamento. Só ele representa toda uma era, se é verdade que as épocas da história da salvação não se medem pela duração do tempo, mas pela determinação do conteúdo. João já está todo dirigido para Cristo, vive em sua luz e só dela. Já é a graça de Cristo vivendo em Maria que o santifica no seio de sua mãe no dia da Visitação, antecipando os tempos e deles dispondo soberanamente. É ele assim constituído em sua ordem própria, única, ultrapassando infinitamente tudo que o precedeu, mas, ao mesmo tempo, indigno de desatar o cordão do calçado d’Aquele que vem depois dele, porque Aquele é o Deus que vem.
A diferença entre João e os antigos profetas — e sua proximidade com Jesus — aparece também no conteúdo de sua profecia. Nos profetas, o Dia de Javé, aquele em que ele visitaria a terra, aparece, primeiro, como uma manifestação de sua cólera sobre o mundo pecador. Decerto, a misericórdia de Deus, sempre pronta a perdoar, não estava ausente, mas não se revelava a conciliação dessas duas exigências: só existirá na paixão de Cristo. Por isso, vemos nos judeus contemporâneos de Cristo, como o autor do IV Esdras, o temor e o desespero dominarem, diante das exigências da justiça de Deus.
Ora, o conteúdo da mensagem de João é “dar a conhecer a salvação e a remissão dos pecados àqueles que estão sentados nas trevas e à sombra da morte” (Lc 1,79). Isaías anunciara que uma luz se ergueria um dia para “aqueles que estão sentados nas trevas e à sombra da morte” (9,1). A mensagem de João dirige-se a um mundo cativo da morte e do pecado e impotente para livrar-se deles, a um mundo votado à morte e incapaz de justiça, a um mundo sem esperança. E sua vocação feliz consiste em anunciar que todas as cadeias serão quebradas, que o amor será o mais forte. Já é a mensagem da graça.