João Batista Precursor

Jean DaniélouJOÃO BATISTA
O precursor
Mas dizer que João anuncia a iminência da graça não basta. Com ele, já é inaugurada- Nesse sentido, ele é o precursor, aquele que caminha à frente, mas que já faz parte do cortejo: “Ele caminhará diante do Senhor no espírito e poder de Elias” (Lc 1,17). E, com efeito, se tomarmos o evangelho de Lucas, veremos que os acontecimentos do nascimento de João são como que um esboço dos acontecimentos do nascimento de Jesus. O paralelismo é extraordinário. Assim como o nascimento de Jesus será anunciado a Maria, o nascimento de João é anunciado a Zacarias — e em termos idênticos. É o anjo Gabriel, o anjo das anunciações, que aparece nos dois casos. Zacarias perturba-se, com temor, como acontecerá com Maria. Igualmente, o anjo tranquiliza a Zacarias: “Não temas”.

Ainda mais notável é o próprio paralelismo entre o nascimento de João e o de Jesus. O nascimento de João é uma obra do poder de Deus. Sua mãe Isabel era estéril, mas a oração de Zacarias foi atendida. E é a propósito do nascimento de João que Gabriel dirá a Maria: “Nada é impossível a Deus” (Lc 1,37). De certo, o nascimento de Jesus será uma obra infinitamente maior do poder de Deus. É de uma virgem que o Verbo criador, que formara Adão da terra virgem do Paraíso, virá retomar a raça de Adão para introduzi-la definitivamente no Paraíso. Mas o nascimento de João não deixa por isso de ser uma obra do poder de Deus, inaugurando as mirabilia Dei que, doravante, encherão a história da salvação.

A significação dessa preparação nos é dada pelo próprio Evangelho. É para apoiar o ato de fé pedido a Maria que lhe anuncia o anjo o que Deus já realizou em Isabel- Assim, o que nela se há de cumprir não é sem precedente. A história de João dispõe os corações à história de Jesus, habituando-os aos costumes de Deus. Não é apenas por suas palavras, como profeta, é por sua própria vida, como precursor, que João prepara Jesus. Ele pertence à mesma ordem de realidade, à da ação de Deus na história. E ele habitua os homens a reconhecê-la.

Assim, o Advento aparece como uma pedagogia da . A não consiste em crer que Deus existe, mas em que Deus intervém na história. E isso é que parece inverossímil ao homem. Que, no âmago da trama dos acontecimentos ordinários, no meio dos determinismos dos fatos físicos, do encadeamento dos fatos sociológicos, haja irrupções de Deus. ações propriamente divinas, em que Deus cria, visita, salva, eis o que os homens não podem admitir. E é verdade que nenhuma razão permite justificá-lo. No entanto, é por aí que se nos desvenda o Deus vivo, aquele que vem, que entra conosco numa relação pessoal — e afasta para bem longe o Deus abstrato dos. deístas, aquele que só pudesse ser atingido pela razão.

O próprio objeto da é que o Verbo se tenha feito carne, que o Verbo, por quem tudo foi criado e a quem tudo está suspenso a cada instante, tenha nascido de uma mulher e tenha habitado entre nós. É a afirmação cristã em todo o seu paradoxo. Para que os homens possam a ela aderir como à mais segura certeza, Deus dispõe seus corações, mostrando-lhes que essa ação decisiva não é isolada, mas sim o cume de toda uma história santa que a precede e na qual o Verbo já veio aos seus.

Não é apenas através das palavras de João, mas através de sua vida inteira que Deus se manifesta. Ele dá testemunho da luz, porque aquilo que nele se cumpriu não vem dele, mas de além dele, de modo que os homens, vendo-o, glorificassem a Deus. Quando o poder de Deus, que tornara Zacarias mudo para puni-lo por ter duvidado, restitui-lhe a palavra, e ele bendiz a Deus, “o temor se espalha entre todos os seus vizinhos” (Lc 1,65). E todos aqueles que ouvem falar no acontecimento dizem: “Que será esse menino? Pois a mão de Deus está com ele” (Lc 1,66).

Assim, o poder de Deus se manifesta em João — e isso desde o seu nascimento; não é, pois, uma resposta a coisa alguma de anterior, mas, pelo contrário, suscita os acontecimentos. Como é concebido, pelo poder de Deus, de uma mulher estéril, assim também é santificado desde o seio de sua mãe, pelo poder do Verbo presente em Maria. Só o poder de Deus parece agir nessa criança. E Zacarias exprime seu espanto diante do que Deus operou nesse filho de sua carne, dando a Deus toda a glória: “Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel, porque visitou e libertou seu povo” (Lc 1,68).

Com João — e é este, sem dúvida, o traço mais impressionante — já é a alegria que é dada, não a alegria humana, mas a alegria messiânica, aquilo que Simeão chamava de “a consolação de Israel”. Diz o anjo a Zacarias: “Ele será, para ti, alegria e exultação, e muitos se alegrarão em seu nome” (Lc 1,14). Dessa alegria, que ele dará, está cheio ele mesmo. Por ocasião da Visitação de Maria, João é cheio do Espírito e exulta no seio de sua mãe. É a proximidade de Jesus que suscita nele a alegria, essa alegria que só o Verbo dá, quando toca o coração para além de todas as coisas criadas e fá-lo sentir a beatitude que Ele próprio é e que Ele comunica.

Ainda aqui, a alegria de João não é uma consequência segunda. É a própria substância de seu ser tocado pela alegria divina, dando testemunho dessa alegria, oculto nessa alegria. Ele já exulta com o acontecimento que vem. Pois Aquele que vem, e que ele prepara, é Aquele que dará aos seus a alegria que o mundo não poderia dar e que está para além de todo sentimento. Como ele preparava os corações para o ato heroico da , prepara-os também para carregar o peso quase excessivo da alegria, habitua os corações, como que acostumados ao desespero, a se abrirem à felicidade dada por Deus. E não é sem razão que a oração de sua festa nos fará pedir a alegria espiritual.

Esta alegria se manifesta, antes de tudo, em sua natividade. É como que uma aurora. Em seguida, será como que escondida, quando se embrenhar na obscuridade, para não acontecer que seu brilho prenda os corações, impedindo-os de se abrirem Àquele que é o único a trazer a alegria — e de quem ele mesmo a recebeu como que por um dom antecipado. Ainda desse modo, dá ele testemunho dAquele que vem, nada retendo para si, pois “não é a luz, mas aquele que dá testemunho da luz”. Mas só dá testemunho da luz na medida em que é ele próprio por ela iluminado, e exulta em saudá-la em sua aurora.