São Jerônimo — Os trabalhadores da vinha (Mt XX, 1-16)
“1. Simile est enim regnum cælorum homini patri familias qui exiit primo mane conducere operarios in uineam suam 2. Conuentione autem facta cum operariis ex denario diurno, misit eos in uineam suam 3. Et egressus circa horam tertiam, uidit alios stantes in foro otiosos: 4 et illis dixit: Ite et uos in uineam, et quod justum fuerit dabo uobis 5. Illi autem abierunt. Iterum autem exiit circa sextam et nonam horam, et fecit similiter 6. Circa undecimam uero exiit, et inuenit alios stantes: et dicit illis: Quid hic statis tota die otiosi ? 7. Dicunt ei: Quia nemo nos conduxit. Dicit illis: Ite et uos in uineam 8. Cum sero autem factum esset, dicit dominus uineæ procuratori suo: Uoca operarios, et redde illis mercedem, incipiens a nouissimis usque ad primos 9. Cum uenissent ergo qui circa undecimam horam uenerant, acceperunt singulos denarios 10. Uenientes autem et primi, arbitrati sunt quod plus essent accepturi: acceperunt autem et ipsi singulos denarios 11. Et accipientes murmurabant aduersus patrem familias, 12 dicentes: Hi nouissimi una hora fecerunt: et pares illos nobis fecisti, qui portauimus pondus diei et æstus 13. At ille respondens uni eorum, dixit: Amice, non facio tibi iniuriam. Nonne ex denario conuenisti mecum ? 14 Tolle quod tuum est, et uade: uolo autem et huic nouissimo dare sicut et tibi 15. Aut non licet mihi quod uolo facere ? An oculus tuus nequam est quia ego bonus sum? 16. Sic erunt nouissimi primi, et primi nouissimi: multi sunt enim uocati, pauci autem electi”(Mt 20, 1-16)
Obras de San Jerónimo, II, Comentario a Mateo y otros escritos, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 2002, 769 p., edición bilingüe promovida por la Orden de San Jerónimo, introducciones, traducción y notas de Virgílio Bejarano.
Contribuição e tradução de Antonio Carneiro do Comentário à Mateus, Livro III (16,13-22,40) — páginas 267, 269 e 271
(Capítulo 20) — (47. Parábola dos trabalhadores enviados à vinha, e ao subir a Jerusalém prepara os discípulos para a tentação)
“O Reino dos Céus é semelhante a um homem pai de família que saiu ao nascer do sol para tomar a seu serviço trabalhadores para sua vinha. Em seguida chegou a um acordo com os operários de pagar um denário1 por dia trabalhado e enviou-os para sua vinha”(20, 1-2). (174) Esta parábola ou analogia do Reino dos Céus entende-se pelo que foi dito antes. Com efeito, antes dela se disse: “Muitos primeiros serão últimos e últimos primeiros” (Mt 19,30), não referindo o Senhor ao tempo mas sim à fé; disse que o pai de família saiu ao nascer do sol para chegar a um acordo com os trabalhadores para sua vinha e que o preço constituiria de um denário por dia de trabalho. Em seguida saiu cerca da hora terceira viu outros que estavam ociosos na praça e de modo nenhum lhes prometeu um denário mas sim o que fosse justo; do mesmo modo na hora sexta e na nona procedeu semelhante; também na décima primeira hora encontrou outros que estavam o dia todo ociosos e enviou-os para a vinha; em seguida, ao mesmo tempo que à noitinha do dia ordenava ao administrador que começasse a pagar pelos últimos, isto é aos trabalhadores da décima primeira hora até os trabalhadores da hora primeira, e que todas as pessoas ao mesmo tempo por impulso de inveja contra os últimos acusavam de injustiça o pai de família, não por terem recebido menos que o acordado, mas sim por querer receber mais que aqueles que o empreiteiro por clemência mostrou afeto. Parece-me para mim serem esses trabalhadores da hora primeira Samuel e Jeremias e João o Batista que podem com o salmista dizer: “Desde (175) o útero de minha mãe tú es o meu Deus” (Sal 21,11). Mas são os trabalhadores da hora terceira os que desde a adolescência principiam a servir a Deus; os da hora sexta são os da idade madura que receberam o jugo de Cristo; os da nona que sem perda de tempo se dirigiram (para Cristo) na velhice; indo mais longe os da décima primeira hora são os da última ancianidade, e finalmente todos de igual modo recebem prêmio ainda que o trabalho tenha sido diverso. Existem os que comentam esta parábola de outro modo. Querem crer que na primeira hora foi enviado para vinha Adão e os demais patriarcas até chegar a Noé; na terceira o próprio Noé até chegar a Abraão e que nela foi dada a circuncisão; na sexta de Abraão até chegar a Moisés quando foi promulgada a lei; na nona o próprio Moisés e os Profetas; na décima primeira os apóstolos e o povo dos gentios por quem todos odeiam. Daí para cá precisamente entende-se depois da hora décima primeira quando está próximo o ocaso do sol e o entardecer, João o Evangelista disse: “Filhinhos meus, é a hora última”. (1 Jo 2,18). E ao mesmo tempo considera que a injustiça do pai de família, da que o acusam por igual todos os trabalhadores da hora décima primeira, por outro lado segundo ele próprio não compreendem. Se com efeito é injusto o pai de família, não é injusto com um mas sim com todos, porque não trabalhou o mesmo o trabalhador da hora terceira que aquele que foi enviado à vinha desde a hora primeira; e por analogia o trabalhador da hora sexta trabalhou menos que o trabalhador da hora terceira e o trabalhador da hora nona menos que o da sexta. Todos portanto atrás convidados odeiam os gentios e se atormentam com a graça do Evangelho. Donde o Salvador conclui a parábola: “Serão, diz, primeiro os últimos e últimos os primeiros”(20,16), que os judeus se convertam da cabeça à ponta2 e nós mudados da ponta à cabeça.
“Amigo não faço injustiça contigo”(20,13). Li em algum libro3 sobre este assunto do amigo, a quem o pai de família repreendeu, (176) o trabalhador da hora primeira, que é entendido como os nossos primeiros pais4) e os que naquele tempo acreditaram.
“Não chegaste a um acordo comigo de um denário?”(20,13). O denário tem a efígie do rei. Portanto recebeste a quantia paga como te prometi, isto é, minha imagem e semelhança; porque queres mais e não tanto receber mais mas que o outro nada receba, como que ao compartilhar a sorte com outro fosse diminuir o mérito do prêmio ?
“Toma o que é teu e vá”(20,14). O judeu na lei não se salva pela graça mas sim pela obra. O que com efeito fez viverá nela. Por isso lhes disse:
“Acaso teu olho é mau porque eu sou bom” ? (20,15). Isto também significa naquela parábola de Lucas (Lc 15, 28-30) onde o filho mais velho odeia o caçula e não quer que o recebam arrependido e acusa o pai de injustiça. E para que saibamos que o sentido é este que temos dito, concordam o título e o final desta parábola: “Assim serão, disse, os últimos os primeiros, e os primeiros os últimos; muitos são os chamados, pouco os escolhidos”. (20,16) (FILHO PRÓDIGO).
Notas:
Denário: moeda que primeiramente valia dez asses e mais tarde dezesseis asses. Asse, moeda de cobre; dinheiro. Pode ser traduzido também porque contém o número dez” ou “de dez”. É possível encontrar em alguma tradução de denário para o português, desta passagem de Mateus, como “uma moeda de prata”, isto porque o denário do imperador Tibério (14-37 d.C.) era uma moeda de prata de 3,85 gramos. ↩
Em latim está “de capite vertantur in caudam” que poderia ter sido traduzido como “da cabeça aos pés” em uma linguagem mais coloquial. ↩
Comentários sobre Mateus de Orígenes onde está explicada esta passagem. ↩
No texto original em latim a palavra está no plural “protoplastum” cujo significado é o apresentado no texto em português “nossos primeiros pais”. No singular “protoplastus” é o primeiro homem. Em espanhol o tradutor preferiu usar “protoplasto” e colocar esta nota: O “protoplastus”(do grego“prôtoplastós”,“primeiro homem formado”) é Adão. Em português existe a palavra protoplasto, porém usada em Citologia (ramo da Biologia) designada para a “parte viva de uma célula animal ou vegetal, que compreende o citoplasma, o núcleo e a membrana plasmática”. Na etimologia encontra-se na forma histórica 1635 protoplasto “o primeiro homem e a primeira mulher, as primeiras criaturas humanas, 1958 protoplasto.(In: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Objetiva, RJ, 2001, 1a. edição, p.2319 ↩