São Jerônimo — Obras Homiléticas
Obras de San Jerónimo, I, Obras Homiléticas, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 1999, 1.037 p., edición bilingüe promovida por la Orden de San Jerónimo, introducción general de Juan Bautista Valero, traducción, introducción y notas de Mónica Marcos Celestino ISBN 84-7914-403-3
Tradução de Antonio Carneiro das páginas 989, 991 e 993
Tratados Vários
IX No Domingo de Páscoa
Não sou capaz de expressar com palavras o que concebo em minha mente, nem minha língua alcança manifestar a alegria de meu coração. Mas não sou o único que, desejando vos expor meus sentimentos, padece deste tipo de pesares; também vós sofreis comigo, regozijando-os mais em vossos interiores que atinando a expressá-los por palavras. Parece-me que este dia é mais radiante que todos os demais, que o sol brilha para o mundo com mais esplendor, como também os astros e todos os elementos se alegram, e que aqueles que durante a paixão do Senhor haviam apagado sua luz e haviam se eclipsado desejosos de não contemplar crucificado a seu Criador, voltam a cumprir seu objetivo seguindo a seu Senhor, que agora se mostra vitorioso e ressurge (se é possível falar assim) dos infernos com todo seu esplendor. O céu crê, a terra crê; mas a rede com que se capturou o mundo inteiro não pôde reter os judeus.
“Este é o dia criado pelo Senhor: alegremo-nos e regozijemo-nos nele” (Sal 117,24). Ao igual com a Virgem Maria, mãe do Senhor, é a primeira dentre todas as mulheres, assim dentre todos os dias este de hoje vem a ser a mãe dos demais. (414) O que vou lhes dizer resulta inaudito, mas acha ratificação nas palavras das Sagradas Escrituras: este é um dos sete dias da criação, e ao mesmo tempo não é. Este dia é qualificado de “oitavo”, motivo pelo qual no título de alguns salmos se acrescenta como anotação “ao oitavo”. Este é o dia em que morre a Sinagoga e nasce a Igreja. É o dia em que, em atenção à este número, oito seres vivos se puseram a salvo na arca de Noé1. “Do mesmo modo — disse Pedro — , também a Igreja vos salva.”(1Pd 3,21). Este é o dia a propósito do qual o Eclesiastes (11,2) formula a seguinte prescrição: “Dai uma parte à sete, e inclusive à oito”2. Estes são os oito degraus pelos quais, segundo Ezequiel (40,31), ascendemos ao templo de Deus. Este é o oitavo dia, à cujo mistério e à fé de todas as nações em Cristo se refere precisamente também o salmo oitavo, que começa assim: “Senhor, nosso Senhor. Quão admirável é teu nome em toda a terra!”(Sal 8,2).
Que necessidade tenho a andar detendo-me em explicações que resultariam infinitas? Um dia não seria suficiente se quisesse dar-vos conta de tudo relativo ao mistério deste dia. Limitar-me-ei a dizer que a graça inteira do sábado e aquela antiga festividade do povo judeu foram trocadas pela solenidade desta data. Eles não realizavam durante o sábado tarefa servil alguma; para nós, por outro lado, isto sucede no domingo, quer dizer, o dia da ressurreição, pois nesse dia não servimos ao vício nem ao pecado. “Pois servo é quem comete pecado” (Jo 8,34). Eles não saem de suas casas; nós, de nossa parte, ao estarmos na Igreja, não saímos da casa de Deus. Eles, durante o sábado, não acendem fogo algum; nós, ao contrário, acendemos em nós o fogo do Espírito Santo, purificando-nos de toda mácula e pecado; acerca deste fogo disse o Senhor: “Vim trazer fogo à terra, e que quero senão que arda?”(Lc 12,49). O Senhor deseja que este fogo arda em nós e que, segundo o apóstolo Paulo (Rm 12,11), o avivemos com o Espírito Santo para que o amor em direção a Deus não se esfrie em nossos corações. Durante o sábado, eles não saem para caminhar, porque perderam Aquele que disse:”Eu sou o caminho” (Jo 14,6); nós, por outro lado, dizemos: “Bem-aventurados quem se mantém sem mancha em seu caminho, quem caminha ajustando-se a lei de Deus”(Sal 118,1). (415) E também: “Elegei a senda da verdade” (Sal 118,30) e “Mostra-me o caminho de teus mandamentos” (Sal 118,27). Eles coroaram de espinhos o Senhor; nós, pelo contrário, como se fôssemos pedras preciosas, servimos de coroa a nosso Senhor. Um diadema adorna a cabeça do imperador deste mundo; e precisamente para que adornemos a cabeça de nosso Rei se nos há colocado nela. Eles não aceitaram a Cristo, mas sim ao Anticristo; nós, por nossa parte, recebemos ao humilde Filho de Deus para possuí-los triunfante depois. E, por fim, nosso Cordeiro é imolado diante do altar do Senhor; o deles, o Anticristo, cuspido e maldito, é lançado no deserto3. Nosso ladrão entra no paraíso junto com o Senhor (Lc 23,43); por outro lado, o deles, um blasfemo e homicida, morre com seu pecado. Em benefício deles deixam em liberdade à Barrabás; em benefício nosso se dá a morte a Cristo.
Por tudo isso cantemos e regozijemos nele”(Sal 117,24). Hoje Cristo, em companhia do bom ladrão, afastou aquela espada flamejante (Gen 3,24) e abriu a porta do paraíso, que ninguém pôde forçar; hoje Cristo ordenou a seus anjos: “Abri-me as portas da justiça: entrando por elas, entoarei louvações para o Senhor”(Sal 117,19). Com efeito, essa porta, uma vez aberta, não se fecha nunca aos crentes. Desde o momento da paixão do Senhor até o dia de hoje, essa porta permanece sempre fechada para uns e aberta apara outros: fechada encontra-se para os pecadores e incrédulos, e aberta para os justos e crentes. Por ela entrou Pedro; por ela entrou Paulo; por ela entraram todos os santos e os mártires; por ela entram a diário as almas dos justos do mundo todo. Tem duas portas: a da Igreja e a do paraíso. Pela porta da Igreja temos acesso a porta do paraíso. Temos de viver de tal forma que não se nos expulsem daquela casa e, arrojados dela, refere-se nestes termos: “Não entregues às feras a alma que te louva” (Sal 73, 19). Olhai com agora o Senhor, que se acha diante da porta do paraíso, fala para nós, que nos encontramos reunidos em sua casa, e nos diz: “Esta é a porta do Senhor, entrai, justos por ela”. (416) E qualquer justo que por ela entrar, ainda que o diabo trate de impedi-lo e ainda que o inimigo o acuse — pois certamente o demônio é o “acusador de nossos irmãos” (Ap12,10) e um adversário vingativo — esse justo, como se afirma no salmo CXXVI 5, “não se verá confundido, enquanto a porta litigar com seus inimigos”.
Notas