JERÔNIMO — COMENTÁRIO A MATEUS
Obras de San Jerónimo, II, Comentario a Mateo y otros escritos, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 2002, 769 p., edición bilingü e promovida por la Orden de San Jerónimo, introducciones, traducción y notas de Virgíliio Bejarano.
Contribuição e tradução de Antonio Carneiro do Comentário a Mateus, Livro IV (22, 41 — 28, 20), páginas 353 até 359
58. SOBRE AS DEZ VIRGENS
Então o Reino dos céus será semelhante a dez virgens, que tomando suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo e da esposa; e cinco delas eram néscias e cinco prudentes, e tudo mais. (25, 1) Esta parábola, isto é “semelhança”, das dez virgens néscias e prudentes, alguns (nota: entre eles São João Crisóstomo) a interpretam simplesmente como referente às virgens; das quais, umas, segundo o apóstolo, são as virgens de corpo e espírito, e outras são as que, conservando só a virgindade dos corpos, ou não tem obras semelhantes a seus propósitos, ou então, ainda mantendo-se virgens pela custódia de seus pais, não deixam de estar casadas em espírito. Mas a mim me parece, pelo que antecede, que o sentido que se expressa é outro e que a comparação não se refere aos corpos das virgens, mas sim a todo o gênero humano. Porque, assim como os dois homens que aram o campo e as duas mulheres que moem, significam os dois povos, o dos cristãos e o dos judeus, ou o dos santos e o dos pecadores — que, estando na Igreja, parece, com efeito, que também eles aram e moem, mas o fazem tudo com hipocrisia — , assim também agora as dez virgens abarcam a todos os homens que parece que creem em Deus e que se comprazem nas Escrituras, tanto os homens da Igreja como os judeus e os hereges. A todos os quais se lhes chama “virgens” porque se estimam de seu conhecimento do Deus único, e seu espírito não está maculado pela turbamulta da idolatria.
Tem azeite as virgens que, de acordo com a fé, se adornam também com as obras, e não tem azeite as que parece que, com uma fé similar, confessam à Deus mas descuidam das obras virtuosas. As cinco virgens sábias e as cinco néscias podemos interpretá-las como os cinco sentidos, dos quais uns caminham com presteza rumo às moradas celestes e desejam as coisas elevadas, e os outros, por apetecer avidamente o lixo terrestre, carecem dos incentivos da verdade com os quais possam iluminar seus corações. Da vista, do ouvido e do tato, no sentido espiritual foi dito: “O que vimos, o que ouvimos, o que com nossos olhos contemplamos e com nossas mãos apalpamos”; sobre o paladar: “Prove e vê que o Senhor é suave”, e sobre o olfato: “Ao olor de teus perfumes corremos” e assim mesmo: “Somos o bom olor de Cristo”.
Como o esposo tardava, adormeceram-se todas e dormiram. Não transcorre, com efeito, pouco tempo entre a primeira vinda do Senhor e a segunda. Adormeceram-se todas, isto é, morreram, porque a morte dos santos se chama “sono”. E consequentemente se diz, dormiram, porque terão que se despertar depois.
E a meia-noite ouviu-se um grito: Olhem que vem o esposo! Saiam a seu encontro! (25, 6) De repente, pois, quase a uma hora intempestiva da noite e estando todos descuidados, quando o sopor é mais pesado, soará a vinda de Cristo com o clamoroso vozerio dos anjos e o som das trombetas das potestades que virão adiante. Digamos algo que quiçá seja útil ao leitor. É tradição entre os judeus que o Messias tem que vir à meia-noite, à semelhança dos tempos do Egito, quando se celebrou a páscoa e veio o exterminador e passou o Senhor sobre as tendas e foram consagradas com sangue do cordeiro os marcos de nossas portas. Por isso creio que se manteve a tradição apostólica de que o dia da vigília de Páscoa não se deve despedir antes da meia-noite os fiéis que esperam a vinda de Cristo, para que, depois de passado este momento, recobrada já a segurança, celebrem todos juntos o dia de festa. Por isso também dizia o salmista: ” À meia-noite me levantava para confessar-te por causa dos juízos de tua justiça”.
Então despertaram-se todas aquelas virgens e prepararam suas lâmpadas (25, 7). Despertaram-se todas as virgens e prepararam suas lâmpadas, cada uma a sua; isto é, os sentidos nos que recebiam a sabedoria para alimentar as obras das virtudes de maneira que refulgissem diante do juiz verdadeiro.
E as néscias disseram às prudentes: Dai-nos de vosso azeite, porque se apagam nossas lâmpadas (25, 8). As que se queixam que as lâmpadas se estão apagando mostram que estas brilham só um pouco e, portanto, não tem luz inesgotável nem obras perduráveis. Assim pois, se alguém tem uma alma virginal e é amante do pudor, não deve contentar-se com virtudes medíocres que em seguida deixam de crescer e, tão logo como aparece o forte calor, se secam, mas sim que deve buscar virtudes perfeitas para possuir a luz eterna.
Responderam as prudentes e disseram: Não seja que não baste para nós e para vós (25, 9). Não responderam isto por avareza, mas sim por medo. Porque cada qual receberá a recompensa segundo suas obras e não podem no dia do Juízo as virtudes de uns remediar os vícios de outros. E assim como no tempo do cativeiro em Babilônia não pôde Jeremias ajudar aos pecadores e lhe foi dito: “Não ores por este povo”, assim também será terrível aquele dia em que cada qual estará preocupado consigo mesmo.
Ide logo aos vendedores e compre deles (25, 9). Vende-se e compra-se a alto preço e se adquire com muito trabalho este azeite que se consegue com esmola e com a prática de todas as virtudes e com os conselhos dos mestres.
Mas enquanto iam comprar chegou o esposo (25, 10). Deram, sim, como prudentes, o conselho de que não devem sair ao encontro do esposo sem azeite para as lâmpadas; mas, porque havia se passado já o momento de comprá-lo e, chegando já o dia do Juízo, não havia lugar para o arrependimento, pois disse o salmista: “Mas no inferno quem te confessará ?”, não lhes é permitido realizar novas obras, mas sim que obrigam-nas a prestar conta e dizer a razão das obras passadas.
Chegou o esposo e as que estavam preparadas entraram com ele nas bodas e se fechou a porta (25, 10). Depois do dia do Juízo não fica ocasião para as boas obras nem para praticar a justiça.
Por último chegam também as demais virgens dizendo: Senhor, senhor, abre-nos! (25, 11) Notável é a confissão, com efeito, com o chamamento ao Senhor, e é assim mesmo redobrado sinal de fé. Mas, de que serve invocar com palavras a quem negas por obras? Mas ele respondendo-lhes disse: Em verdade vos digo: não vos conheço (25, 12). “O Senhor conhece os que são seus” e: “Quem ignora será ignorado”. Não conhece o Senhor aos fazedores de iniquidade e, ainda que sejam virgens e, segundo a dupla interpretação, estejam orgulhosos de sua pureza corporal e de sua confissão de fé, no entanto, porque não tem o azeite da sabedoria, basta-lhes como castigo serem ignorados pelo esposo.
Assim pois, velai, porque não sabeis o dia nem a hora (25, 13), advirto sempre ao prudente leitor para que não dê seu assentimento às interpretações supersticiosas e as citações que se dão recortadas segundo o arbitrário critério de quem as modelam, mas sim para que se leve em conta as palavras do princípio, as do meio e as seguintes e enlace todas as que estão escritas. Portanto, disso se aduz: Velai, porque não sabeis o dia nem a hora , deve-se entender que tudo o que digo, isto é, dos dois homens que aram no campo e o das mulheres que moem e o do pai de família que confiou seu servo à fazenda e o das dez virgens, que estas parábolas nos foram contadas há tempos para que, porque como homens ignoramos o dia do Juízo, nos proporcionemos com diligência a luz das boas obras, para que (não aconteça), enquanto o ignoramos, venha o juiz.