Philokalia — Tradução Francesa
Jacques Touraille
Excertos traduzidos do Posfacio da edição francesa organizada por Touraille
Em 1782, na véspera de eventos que iriam sacudir a Europa das Luzes, foi publicado em Veneza uma antologia de textos gregos bizantinos, originários das ermitagens e dos monastérios ao longo do Mediterrâneo oriental, do deserto do Egito e do Monte Sinai, de Constantinopla e do Monte Athos. Estes textos compósitos, mas todos escritos por monges — cerca de trinta autores — como em uma mesma suflada, no oco do indizível e do intangível, foram escritos entre o século IV e XV, ou seja do final da Antiguidade pagã ao final da Idade Média cristã. A antologia se intitulava: Filocalia dos Padre népticos, composta a partir dos escritos dos santos Padres que portavam Deus, e na qual, por uma sabedoria de vida, feita de ascese e de contemplação, a inteligência é purificada, iluminada e alcança à perfeição. Mesmo hoje em dia tal título faz pensar no que os editores de 1972, Macario de Corinto e Nicodemos Hagiorita queriam no fundo significar.
O livro aí está para levantar dois paradoxos, que são ao mesmo tempo anacronismos e antecipações. Por um lado a inteligência — em grego o nous —, cessando de se voltar continuamente para o mundo para o conhecer e o utilizar até o limite do possível, se volta sobre ela mesma para se confiar pelo impossível à origem do mundo, neste fundamento abissal que os monges nomeiam o lugar do coração ou o lugar de Deus. Por outro lado, uma inteligência “voltada” — tornada meta-noia, arrepender ontológico, e noera proseuche, oração intelectual, oração da inteligência no lugar do coração — se constitui em sexto sentido, em noera aisthesis — o sentido intelectual, ou o sentido da inteligência —, capaz de absorver os cinco sentidos corporais, de recapitular o mundo inteiro, e finalmente de se deixar ela mesmo se atrair e transfigurar em pleno corpo e em pleno mundo, como fora do corpo e fora do mundo (“Deus o sabe”, já dizia Paulo Apostolo) pela luz original anterior ao mundo e criadora do mundo, totalmente outra daquela que podiam e queriam se amparar os enciclopedistas na aurora da modernidade.
A Philokalia é assim muito mais que um documento de época. A palavra ela mesma queria dizer na Antiguidade grega o amor da beleza estética, cósmica ou moral, no fundo o inverso silencioso da filosofia, o lugar da arte. Assim ela se apresenta como “a arte das artes e a ciência das ciências”. A beleza é o Deus vivo em pessoa, é o Cristo, e nele, por ele, o que o NOvo Testamento denominava a luz do Cordeiro e os monges bizantinos o phos aktiston, a luz incriada, justamente Deus luz, no coração do curso temporal e espacial da luz criada.
Uma tal Philokalia evangélica faz corpo com a transmissão mais secreta e mais direta. Ela indica as modalidades, as causas e os efeitos de uma experiência da interioridade abissal, aí onde se abrem trevas e silêncio que separam e unem o criado e o incriado.