Jacopone da Todi — POESIA
Excertos de seleção de Pierre Riffard, em seu livro “O Esoterismo”, traduzido por Yara Azeredo Marino e Elisabete Abreu
Ora ouvi todos uma loucura…
Ora ouvi todos uma loucura,
que surgiu em minha fantasia:
Acorre-me o desejo de ser morto,
porque tenho vivido sem porquê;
deixo este mundano conforto,
para percorrer mais honroso caminho.
Este mundo é uma grande fraude,
onde todos lutam:
que seja vencedor do tumulto
esse homem de grandes ditos licenciosos.
Quem do mundo faz aquisição
faz triste ganho muito infame;
quando ao Cristo render razão,
perderá toda a sua primazia.
Veremos todo o ganho então,
que terá trazido cada qual
diante do grande tribunal
de nosso Messias celestial.
Renova-te, criatura,
de angélica natureza;
se permaneces nessa fealdade
serás sempre obscura.
Por tantos anos lutei,
contra as ilusões mundanas,
sempre misérias encontrei,
que ao inferno me conduzem, por fim.
Se homem sou, quero mostrar,
quero negar-me a mim mesmo,
árdua Cruz desejo carregar,
para cometer uma grande loucura.
Tal loucura é feita assim:
lançar-me-ei com impetuosidade
em bandos, rude, enlouquecido,
louco de uma santa demência.
Cristo, conheces meu desígnio,
que com desdém vejo o mundo,
onde continuo no desejo
de bem saber filosofia,
De metafísica saber
e entrever por teologia
como pode a alma conter
Deus, por todas as hierarquias.
Perscrutar a Santíssima Trindade,
que é apenas uma Deidade,
e como foi necessidade
para Deus em Maria descer.
Este não mais é meu desígnio,
pois sinto a morte junto de mim;
quem desvia e pode ir reto
parece que a memória está no fim.
Ciência é coisa tão divina,
cadinho onde o bom ouro se refina:
mas pobre de quem nela confia
Sofística Teologia.
Ora, ouvi meu plano sem tardança:
tornar-me louco reputado,
ignaro, tolo e sem lembrança,
homem cheio de esquisitices.
Deixo-vos os silogismos,
o inexplicável, os sofismas,
Hipócrates e seus aforismos
e a arte sutil de calcular.
Fra Jacopone da Todi (1230-1306), trad. parcial: Dr. P. Barbet, Quelques poésies Fra Jacopone da Todi transcrites de l’ombrien, Desclée de Brouwer, 1935, p. 62-64.