Intelecto e Razão em Tomás de Aquino

INTELECTO E RAZÃO
VIDE: Intelecto e Razão; Intelecto; Razão; nous; dianoia

Jean Borella: Excertos de « La Charité profanée »

Tradução de Antonio Carneiro

A doutrina de São Tomás de Aquino não difere daquela de Santo Agostinho. Pelo menos as diferenças de terminologia são idênticas de um e de outro lado. “A razão difere do intelecto como a multiplicidade da unidade: daí vem que Boécio, no livro IV da “De consolatione” diz que a razão se acha na mesma relação ao intelecto como o tempo à eternidade, e o círculo ao centro. É com efeito próprio da razão de se expandir em todos os sentidos sobre uma multidão de coisas, e de tirar disso, lhes recolhendo um conhecimento uno e simples… Mas, por outro lado, o intelecto começa de início pela consideração da verdade uma e simples, pois compreendido nela o conhecimento de todo o múltiplo, assim como Deus, pela intelecção de Sua Essência conheceu todas as coisas”.

Este intelecto, não somente recebeu nele os conhecimentos que vieram do exterior, tanto quanto intelecto passivo, mas ainda, tanto quanto intelecto ativo, ilumina o conhecimento recebido para revelar à si mesmo a dimensão inteligível, como um olho que iluminaria o que visse. Ora, essa luz pela qual o intelecto atualiza a natureza inteligível do conhecido, é de origem divina; é uma “luz derivada de Deus” que é dessa forma causa (por excelência) da nossa ciência.

Vamos mais longe: a suprema beatitude para o homem, é de natureza intelectiva: “ sob a relação de sua própria essência, a beatitude consiste em um ato do intelecto”. O intelecto é com efeito o que o homem tem em comum com Deus e com os anjos não a inteligência prática, ou ativa, mas , a inteligência especulativa, ou contemplativa ou todo conhecimento: “A semelhança estabelecida entre o conhecimento prático e o ser divino, não existe senão por uma certa proporção, nesse sentido que o intelecto prático é na mesma relação para seu objeto que Deus para o seu. Mas a semelhança do intelecto especulativo com Deus existe pela união ou comunicação (“per informationem”); isto é: no conhecimento que o intelecto especulativo tem de Deus, é o próprio Deus que informa o intelecto ( o intelecto, é Deus na qualidade que aceita ser conhecido), o que constitui uma semelhança bem maior. E pode-se dizer com respeito ao principal objetivo de conhecimento, que é sua própria Essência, Deus não possui um conhecimento prático, mas somente especulativo”.

Ainda que se possa fazer recolher a razão ao intelecto em seu princípio cognitivo, permanece que “o nome de intelecto designa a penetração íntima da verdade, enquanto aquele de razão designa a procura e a discussão”. E esta penetração íntima e não somente conhecimento objetivo, mas também assimilação “subjetiva” e via divina: “A perfeição da visão intelectiva está em uma espécie de participação à eternidade. E então esta visão é de qualquer modo vida, pois, deve-se considerar como uma espécie de vida de ação do intelecto”. Decorre que o estado beatífico assim obtido pela visão do intelecto não pode ser perdido e que participa da imutabilidade de seu objeto: “O intelecto criadoDeus, porque lhe está unido de alguma forma. Caso, então, a visão divina cesse, é preciso que seja por uma mudança da substância divina ou do intelecto contemplativo.

Ora, um não é mais possível que o outro, pois a substância divina é imutável e por outro lado, a visão da substância divina elevada à substância intelectual além de toda mudança (…) Nenhuma criatura pode se aproximar muito perto de Deus senão aquela que vê sua substância. Assim, a criatura intelectual que vê a substância de Deus está estabelecida em uma perfeita imutabilidade”.