PASSADO — PRESENTE — FUTURO — IN ILLO TEMPORE (“Outrora”)
VIDE: HISTÓRIA; VIDAS PASSADAS; MEMÓRIA; KARMA; PERDÃO
FILOSOFIA
Eudoro de Sousa: Sempre o Mesmo acerca do Mesmo
«Outrora» (in illo tempore) e «agora» (in hoc tempore), apontam, em nossas linguagens modernas e civilizadas, para distância e proximidade; o «outrora» é distância, embora indefinida. Mas sempre nos achamos persuadidos de que é possível percorrê-la, regredindo até onde supomos que ele esteja, para, de novo, progredirmos até o «agora» a que, por breves instantes, nos sentimos ligados. Mas «outrora» é «outra hora», não «esta hora» em que nos demoramos a pensar ou a imaginar o que seja aquela outra; outra hora é outro tempo, e se o tempo é da natureza de uma sucessão de «agoras», então porque havemos de denominá-lo ainda de tempo, tempo distante, fácil ou difícil de alcançar, mas, em todo o caso, distância possível de percorrer, partindo de qualquer «agora»? O «outrora», para repetir em outro contexto, as sugestivas palavras do poeta, está a uma «distância subitamente impossível de percorrer». E se ela devém subitamente ou não, impossível de percorrer, para que falar em «distância»? Pois não é verdade que não existe, pelo menos, na terra, distância que não possamos transpor, entre dois «agoras» cada vez mais próximos? Do «outrora» a hora é outra, e essa, dificilmente imaginamos como possa soar, a um tempo, com a mesma hora que está em todos os «agoras». «Hora», em grego como em latim, significa (além do mais que possa significar) estação, e esta (statio) quer dizer «estado de repouso» e de imobilidade, embora talvez se refira apenas à imobilidade aparente dos corpos celestes; é uma «parada«, um cessar do quer que seja — significado que, evidentemente, muito mal se ajusta à metáfora espacial do tempo que «corre» e, até, a qualquer dos instrumentos, antigos ou modernos, que serviram e servem para medir o tempo. A areia não cessa de se escoar do reservatório superior para o receptáculo inferior da ampulheta; as engrenagens de um relógio não deixam de girar, umas lentamente, outras rapidamente, mas os ponteiros revoluem, sem aparente estação, no mostrador de um tempo que não pára. Isto não sugere que púnhamos o «outrora» ao lado da eternidade, cuja imagem móvel, no dizer de Platão, é o tempo.