ICONOGRAFIA – ÍCONES DA TRINDADE
VIDE: Canteins Ícones da Trindade
Certa conexão entre Fílon e a teologia Ortodoxa pode ser observada nos Ícones da Trindade, a qual, na iconografia, é representada pelos três anjos que apareceram a Abraão prevendo o nascimento de seu filho. Fílon foi o primeiro a a indicar que Abraão usou o singular, ao se dirigir a eles como “meu Senhor”. Fílon os identifica como o Pai do Universo, Deus como poder criativo, e o Senhor como rei. Os herdeiros intelectuais de Fílon em Alexandria foram os platonistas cristãos Clemente de Alexandria e Orígenes; e através deles seu dom para todas as épocas foi o método alegórico de interpretação dos significados profundos do imaginário sagrado na literatura e na arte.
Richard Temple, em seu excelente livro sobre Ícones (ICONS) oferece um comentários elucidativo sobre o Ícone da Trindade, segundo o espírito de Fílon e dos platonistas cristãos de Alexandria.
O Senhor apareceu a Abraão próximo à grande árvore de Manre enquanto ele estava sentado na porta de sua tenda. Esta primeira aparição de Deus ao homem é descrita em Gênesis XVIII. O texto nos conta que se deu “no calor do dia” e continua: “Abraão olhou e viu três homens em pé próximos. Quando os viu apressou-se para a entrada de sua tenda para encontrá-los e curvou-se até o chão. Abraão e sua esposa Sara receberam os três homens e prepararam uma refeição especial para eles. Eles predisseram o nascimento de um filho a Abraão e Sara apesar do fato que ela estivesse “além da idade de ter um filho”.
Na perspectiva de nossos tempos tudo isto parece nada mais que um conto. Somente quando descartamos o sentido literal de nossas mentes — como os alexandrinos insistiam — e tentamos descobrir o simbolismo psicológico, começamos a ver o poder da estória e compreender que um mistério interior profundo está sendo descrito.
Porque os três homens apareceram junto a uma árvore e porque se diz que Abraão estava sentado na entrada da tenda? Poderia se pensar que a tenda é de menor significância, tanto quanto o fato de Abraão estar sentado a sua entrada. Mas tratam-se de chaves nos expondo a respeito do estado espiritual incompleto de Abraão. A tenda tem a mesma significância que a ideia em ícones de arquitetura os quais, denotando espaço fechado, nos dizem que o evento não é exterior mas interior e oculto. O que nos é mostrado está realmente tendo lugar na “câmara interior da alma”; concerne o acesso ao Reino dos Céus o qual, de acordo com Cristo, está “dentro de ti”. A presença da tenda implica que Abraão tinha acesso, ou acesso potencial, a tal “lugar” dentro dele mesmo. Entretanto, ainda não tinha entrada completamente; estava “sentado” — que pode implicar passividade espiritual — “à entrada”. O “calor do dia” pode significar que estava distraído pelas condições e dificuldades externas. Algo mais era necessário para ajudá-lo a aumentar a atividade de suas energias espirituais.
é isto provido pela árvore a qual, de acordo com algumas leituras, é um carvalho, um símbolo tradicional de força? De qualquer modo é neste momento que os três homens aparecem. Abraão lava seus pés com água, que sugere um desprendimento do contrato terreno pois os pés são parte mais baixa de nós mesmos que tocam a terra, i. é., a vida material. a água, através de seus poderes de clareza e purificação, é um símbolo tradicional da verdade.
Abraão então realizou integralmente — como devemos — que a aparição de Deus é um evento espiritual que tem lugar quando fazemos a transição psicológica do mundo exterior para a vida espiritual dentro de nós mesmos (v. metanoia).
Tais eventos acontecem de acordo com um processo definido que depende de uma energia espiritual crescentemente intensa. A narrativa, desdobrando tal processo, agora acelera. Abraão “apressa-se para dentro da tenda” e diz a Sara para “apressar-se” e preparar pão.
Aqui se falam de detalhes estranhamente precisos, e no caso de quantidade incomum: “Amassa depressa três medidas (seahs, cerca de 22 litros) de flor de farinha e faze pão.”.
Assim pão simboliza a interação coerente de três diferentes elementos unidos para fazer um todo; neste caso farinha, água e fogo. É abraão e sua esposa Sara que devem levar a cabo este trabalho, não os visitantes que já estão tão perfeitamente harmoniosos que são um e aos quais Abraão se dirige como “meu Senhor”.
No reino místico ao qual a alegoria se refere, não há discriminação de sexo nas referências a homens e mulheres. “Homem” e “Mulher” devem ser compreendidos como aspectos ativo e passivo da energia espiritual. Assim Abraão e Sara cujas ações são aqui descritas são dois aspectos diferentes do mesmo indivíduo: Abraão o arquétipo espiritual em lugar da pessoa histórica.
O ícone russo fala exclusivamente na linguagem rarefeita do conhecimento místico. O desenho enfatiza o perfeito acordo dos três homens que, desde o século X, são apresentados em seu aspecto divino, ou seja, como Anjos. A quietude de contemplação eterna deles nos passa uma atividade que está tendo lugar fora do tempo e não no espaço tridimensional percebido pelos sentidos. Grande parte dos detalhes da narrativa foram omitidos. Em ambos os lados, no fundo, está a tenda de Abraão (agora uma casa) e uma montanha. No centro está uma árvore, inesperadamente quieta e calma.
A árvore é o símbolo da vida ela mesma: uma presença silenciosa responsiva à natureza e às leis da criação; sensitiva ao mais leve movimento do ar; nutrindo a atmosfera acima dela e nutrida pela terra abaixo. Representa o ciclo externo de vida e crescimento, de regeneração e transformação. Sua “morte” e “renascimento” anual ecoa o mistério do verdadeiro devir.