ÍCONES DA TRANSFIGURAÇÃO
Ícone da Transfiguração
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Simbolismo
Richard Temple
O evento da Transfiguração no Monte Tabor é recontado nos Evangelhos Sinópticos. Algumas imagens antigas existem, tais como o Mosaico de Ravenna, mas tais exemplos são raros e o ícone não se tornou amplamente conhecido até o triunfo do Palamismo no final do século XIV quando foi incluído entre as festas representadas na Iconóstase. O ícone mostra Cristo transfigurado e irradiando luz. Ele encontra-se dentro de um pentáculo contido dentro de uma auréola e em ambos lados dele estão Elias e Moisés. Abaixo, em várias posturas de espanto e surpresa, estão os apóstolos Thiago, João e Pedro. O último grupo, que pertence a um diferente estágio da ascensão espiritual, são mostrados mais abaixo do topo da montanha.
Vladimir Lossky, em um comentário sobre a Transfiguração, aponta que a luz emanando do Cristo transfigurado deve ser identificada com a a definição de João de Damasco, Gregório Palamas e outros que enfatizaram a natureza insensível e não terrestre da luz incriada e sua função em indicar a energia de Deus.
Um claro relato da controvérsia palamita, considerada tanto do ponto de vista histórico como teológico, é dado por Runciman. Por uma citação ele esclarece a posição de Palamas que além do estágio de purificação (que pode ser compreendido como perfeição espiritual) jaz a possibilidade para o homem de ser unido a Deus: através de ser
acima de nós mesmos, tendo abandonado tudo que pertence ao mundo sensível e tendo se elevado acima de todas as ideias e raciocínios e mesmo acima do conhecimento e da própria razão… Aquele que participa desta graça se torna ele mesmo até certo ponto a Luz. Ele é unido à Luz e pela Luz é feito totalmente consciente de tudo que permanece invisível àqueles que não têm esta graça.
Runciman aponta que a Luz foi identificada pelos Hesicastas como a luz que brilhou no Monte Tabor, “A divina realidade que manifestou-se aos santos místicos é idêntica à luz que apareceu aos Apóstolos ao tempo da Transfiguração”.
Abade Stephane
Após ter examinado o papel do Ícone na Liturgia, estudemos agora o que se poderia chamar sua “alquimia espiritual”, quer dizer como ele contribui à restauração da imagem quebrada pela Queda. De um ponto de vista especulativo, é preciso elaborar uma teologia da Glória-Luz, e do ponto de vista bíblico convém se referir às diferentes manifestações da Luz, e mais especialmente ao evento da Transfiguração.
No topo, quer dizer ao nível da Divindade, há a Luz Incriada cujos os outros modos da luz são participações ou, partindo de baixo, dos símbolos e dos reflexos. Pode-se distinguir: a {ALINK(aname=Luz Inteligível,pagename=Luz Divina)/}Luz Inteligível{ALINK/}, a {ALINK(aname=Luz Cósmica,pagename=Luz Divina)/}Luz Cósmica{ALINK/}, a {ALINK(aname=Luz Física,pagename=Luz Divina)/}Luz Física{ALINK/}.
Na perspectiva cristã, tudo que acabamos de dizer permanece válido, mas trata-se sobretudo de uma “manifestação”, de uma Gordon Estado Primordial e de uma Encarnação do Verbo, e o “aspecto” desta manifestação que nos interessas presentemente mão é outro senão aquele da Luz. Em geral, há bastante interesse no Amor, mas não se deve esquecer que, se São João declarou nas sua Epístola: “Deus é Amor”, ele começou a mesma epístola declarando: “Deus é Luz” (1Jo), e é nesta perspectiva que se situa o Ícone.
Se necessitaria todo um volume para citar as numerosas passagens da Bíblia, e mais especialmente aqueles do NT, onde é questão da Luz ou do Fogo. No AT, por exemplo, no momento da saída do Egito, é questão de uma coluna de de nuvem e de uma coluna de fogo (Êxodo XIII, 21-22). Do mesmo modo no Sinai, a Glória de Deus se manifesta na Nuvem (Êxodo XXIV, 16-18). Importa então notar que, no AT, a Glória de Deus se manifesta e ao mesmo tempo “se oculta na Nuvem”, à qual são feitas numerosas alusões, porque a Verdadeira Luz devia ser “revelada no Cristo”, e também porque a “luz incriada é invisível”, tão bem que se encontra ainda esta nuvem na Transfiguração e na Ascensão. É possível de melhor apreender que o Ícone é uma imagem visível do Invisível, ao mesmo título que a Nuvem, e de melhor compreender o que se deve entender por “símbolo”. Apreende-se assim que uma manifestação sensível da Divindade é ao mesmo tempo um símbolo deste.
Pode-se dizer brevemente que um símbolo manifesta e ao mesmo dissimula uma realidade de ordem superior: se se para no objeto ele mesmo, cai-se no naturalismo ou na idolatria; se se torna capaz de “ver” nele, ou através dele, a realidade de ordem superior do qual é o símbolo, se torna de certa maneira um “suporte de intelecção” (intus legere), e é neste sentido que dizemos que o Ícone conduz à Hipóstase pela semelhança da Imagem.
Duas condições aparecem então para que o Ícone possa desempenhar seu papel e exercitar seu “poder transfigurador”:
*O Ícone deve ser “muito semelhança”
*O espectador deve ele mesmo se tornar “muito semelhante” e, a fortiori, o iconógrafo. Destaca-se assim o aspecto objetivo e o aspecto subjetivo da questão (v. Subjetivo-Objetivo).
Assim se precisa o contexto onde se situa o Ícone, contexto essencialmente bíblico que podemos esquematizar pelas duas montanhas santas do Sinai e do Tabor. Ninguém pode compreender o Ícone se não meditou longamente sobre estes dois relatos, e não é sem razão que o monge iconógrafo, depois de um retior de vários meses “no jejum e na oração”, se prepara para se tornar, tanto quanto possível, um “puro receptáculo” da Luz Divina, e não é também por azar que seu primeiro Ícone seja aquele da Transfiguração.
É somente na perspectiva da Transfiguração que se pode compreender o Ícone e sua “alquimia espiritual” e que se pode também caracterizá-lo e distingui-lo de uma outra obra de Arte sagrada. Não basta portanto dizer que ele é uma imagem visível do Invisível.
Com efeito, todo outro símbolo sagrado é igualmente imagem visível do Invisível, como é por exemplo uma catedral. Mas, enquanto que uma catedral representa a organização do Caos, o Ícone representa o “mundo transfigurado”, e é essencial de compreender que esta transfiguração se aplica antes de tudo ao “mundo corporal”, e isto em virtude mesmo do mistério da Encarnação: “O Verbo se fez carne”, ele não se fez “alma”. Ipso facto, a carne foi transfigurada; já se trata do Corpo Glorioso, do “Corpo de Ressurreição”, do “Corpo Espiritual” do qual fala Paulo Apóstolo (1Co 15,35-56).
Assim o Ícone representa a princípio a “Transfiguração do corpo humano”: “Não quer dizer que o corpo humano se torna outra coisa que não é. Ao contrário, o corpo permanece corpo… Mas a mudança de seu estado é representado por dois traços que, não sendo naturalistas, não são frequentemente incompreensíveis… Daí a majestade do Ícone, sua simplicidade, a calma do movimento, daí o ritmo de suas linhas e de suas cores que decorre de uma harmonia interior perfeita” (Leonid Ouspensky).
Compreende-se então o que chamamos a “alquimia espiritual” do Ícone. Não há a princípio a preparação do iconógrafo “que ora com lágrimas” (a compunção do coração: o coração endurecido se liquifaz) “no jejum e na oração”. Assim santificado interiormente pela oração, a alma do monge vai proceder à santificação do corpo pela confecção do Ícone, em primeiro lugar aquele da Transfiguração.
Não se deveria todavia crer que a confecção do ícone seja o úico meio de santificação ou de transfiguração do corpo: é possível igualmente em uma tradição que não comporte o uso da Iconografia, mas o Ícone é semelhante a um sacramento que contribui poderosamente à “deificação” do ser humano e, no caso particular, à transfiguração do corpo. O que importa todavia reter, é que a confecção do Ícone é inseparável do “estado de oração”.
Nesta perspectiva, o Ícone tem um duplo significado e um duplo papel: “objetivamente”, representa, como se viu, as realidades celestes ou espirituais; “subjetivamente” representa o ser humano, e mais especialmente o corpo humano transfigurado pela Luz do Tabor. Se o Ícone é dito “muito semelhante” em relação a seu Protótipo celeste, o iconógrafo que o pinta se torna ele mesmo “muito semelhante”. O Ícone contribui assim à restauração da Imagem quebrada, da qual falamos no início; pode-se dizer que é um “testemunho da deificação do homem”, e mais especialmente da transfiguração do corpo: é um testemunho do Corpo Glorioso, do “Corpo de Ressurreição”. Sem dúvida, para os iniciantes, não se trata ainda senão de uma “prefiguração da Glória, mas esta prefiguração atestada pelo Ícone confere ao Homem a “certeza da Ressurreição” e as arras da Imortalidade.