Hugo de S. Victor — I Sermão sobre o Eclesiastes
Seleção de James Cutsinger
Puro Fogo
Há três modos de cognição pertencentes à alma racional: cogitação, meditação, contemplação. É cognição quando a mente é tocada com as idéias das coisas, e a coisa ela mesma é por sua imagem apresentada subitamente, ou entrando na mente através dos sentidos ou surgindo da memória. Meditação é a revisão assídua e sagaz da cogitação, e esforça-se por explicar o implicado, e penetrar o oculto. Contemplação é a atenção perspicaz e livre, difundida em todo lugar através do domínio daquilo que pode ser explorado. Há esta diferença entre a meditação e a contemplação: a meditação relaciona-se sempre às coisas ocultas de nossa inteligência; a contemplação relaciona-se às coisas feitas manifestas, de acordo a sua natureza ou sua capacidade. A meditação sempre está ocupada com alguma matéria a ser investigada; a contemplação espraia-se para a compreensão de muitas coisas, mesmo do universo. Assim a meditação é um certo poder inquisitivo, esforçando-se sagazmente por perscrutar o obscuro e elucidar o perplexo. A contemplação é aquele ápice de inteligência o qual, mantendo todas as coisas abertas ao ver, compreende tudo com uma clara visão. Assim a contemplação tem o que a meditação busca.
Há duas espécies de contemplação: a primeira é para iniciantes, e considera as criaturas; a espécie que vem depois pertence ao perfeito, e contempla o Criador. Nos Provérbios, Salomão procede como que através da meditação. No Eclesiastes, ele ascende ao primeiro grau de contemplação. No Cântico dos Cânticos, ele se transporta ao grau final. Na meditação há um combate da ignorância com o conhecimento; e a luz da verdade brilha como através de uma névoa de erro. Assim o fogo é aceso com dificuldade em um molho de mato verde; mas então, ventilado com forte sopro, a chama queima mais alto, e vemos rolos de fumaça subindo, com a chama brilhando através. Pouco a pouco a umidade é exaurida, e o fogo saltitante acaba com a fumaça. Então a chama, atirando-se ao molho de mato, espalha-se de ramo em ramo, e acaba lambendo todos os galhos; não parando até ter penetrado em tudo e tomado para si tudo que encontra que não é chama. Com o tempo o material combustível é purgado de sua própria natureza e passa a similitude e propriedade do fogo; então o estampido se silencia e o fogo voraz tendo dominado tudo e feito tudo a sua similitude, se compõe a si mesmo em uma alta paz e silencia, achando nada mais que seja estranho ou oposto a ele mesmo. Primeiro havia fogo com chama e fumaça; então fogo com chama, sem fumaça; e finalmente puro fogo sem chama nem fumaça.