Hugo de São Victor Antropologia

Nicola de Abbagnano — História da Filosofia
A ANTROPOLOGIA

O homem está no cume do mundo sensível. Segundo a Sagrada Escritura, o homem foi criado depois de todas as outras coisas; e isto aconteceu porque ele é o primeiro de todas as criaturas sensíveis e todo o mundo sensível foi criado para ele. Deus criou o homem para o servir; e criou o mundo para que este sirva o homem. O homem é um ser finito, precisa da ajuda exterior quer para se conservar tal como é, quer para chegar a ser o que não é ainda. Foi colocado no centro do mundo sensível para que dele se sirva como de uma ajuda necessária à sua conservação. Mas está destinado a servir a Deus e assim alcançar aquela plenitude e felicidade que não possui ainda. Para ele existe um duplo bem, um bem de necessidade e um bem de felicidade: o primeiro é-lhe dado pelas coisas do mundo, o segundo pelo próprio Criador. O primeiro surge criado por causa do homem e para se lhe tornar útil; o segundo é o fim para que foi criado o homem (De sacrum, I, 2, 1). Sendo este o lugar do homem no mundo, distinguem-se na própria natureza do homem duas partes, o corpo e a alma. A alma é, em contraposição com o corpo, uma substância simples e espiritual. Juntamente com Boécio, Hugo de S. Victor distingue o inteletível e o inteligível: o inteletível é o que não é sensível e não é semelhante ao sensível; o inteligível é que, apesar de não ser sensível, tem relações de semelhança com o sensível. A alma é inteletível porque não é nem sensível nem semelhante ao sensível; mas é ao mesmo tempo inteligível porque é dotada de sensibilidade e de imaginação e pode assim compreender o sensível (Didasc., II, 3, 4). Como tal, por um lado, está em relação com o sensível e, por outro, em relação com o supra-sensível. A sua relação com o sensível é baseada na sua sensibilidade, a relação com o supra-sensível é baseada na inteligência. Entre as faculdades sensíveis e a inteligência está a razão, que é a faculdade discursiva (De sacrum., I, 1, 19). Definida com Boécio a pessoa como «uma substância individual de natureza racional», Hugo atribui a personalidade à alma em si e por si. O corpo não contribui para formar a pessoa, e apenas se une a ela. A própria alma como tal, é pessoa (Ib., II, 1, 11). A caraterística fundamental da alma como pessoa é a autoconsciência. Nas pegadas de S. Agostinho, Hugo de S. Victor insiste na necessidade e no valor da consciência da própria existência. «Não existe sábio que não saiba que existe. E no entanto o homem, se começa a considerar verdadeiramente aquilo que é, compreende que não é nenhuma das coisas que percebe ou pode perceber em si mesmo. O que em nós é capaz de razão, ainda que, por assim dizer, esteja confundido com a carne, distingue-se no entanto da substância da carne e compreende o que é distinto dela (Didasc., VII, 17).

Este pensador reconhece ao homem a liberdade como faculdade de escolha, privada de determinações necessitantes. A liberdade é o fundamento da vida moral do homem que sem ela seria impossível. O princípio objetivo desta vida é a lei de Deus. O bem é o que é conforme com esta lei, o mal é a negação daquilo que a lei prescreve. Com o bem, o mal tem o seu fundamento na livre vontade, e não vê positivo nem negativo; é um puro nada (Ib., I, 7, 16).

O MISTICISMO

A via mística para alcançar a visão direta de Deus tem três momentos principais: o pensamento, a meditação e a contemplação. O pensamento (cogitatio) é determinado pela presença na alma de uma coisa em imagem, que ou provém dos sentidos ou é suscitada pela memória. A meditação (meditatio) é o contínuo e sagaz exame do pensamento, que se esforça por explicar o que é obscuro e de penetrar no que está oculto. A contemplação (contemplatio) é a livre e perspicaz intuição da alma que se difunde sobre as coisas examinadas. A contemplação possui aquilo que a meditação procura: a visão manifesta e completa. Por seu lado, a contemplação cinde-se na consideração das criaturas e na contemplação do Criador, que é o seu grau último e perfeito {De mod. dicend. et meditand., 8). Este último grau é a contemplação mística, na qual a ascese para Deus se identifica com a clausura na própria intimidade espiritual: «Aquele que entra dentro de si e, penetrando internamente em si próprio, se transcende verdadeiramente sobe até junto de Deus» {De vanitate mundi, 2).