Hesíquio de Batos ou o Sinaíta — Capítulos sobre a Sobriedade e a Vigilância
Textos sobre a sobriedade e a oração, para a salvação da alma
1. A sobriedade é um método espiritual que, com a ajuda de Deus e mediante uma prática regular e firme, liberta-nos inteiramente dos pensamentos e palavras apaixonadas, bem como das ações más. Dá um conhecimento seguro do Deus incompreensível e resolve de maneira secreta os divinos e secretos mistérios. Ela cumpre todos os mandamentos do Antigo e do Novo Testamento e consegue todos os bens da vida futura. A sobriedade é, antes de tudo, aquela pureza do coração que sua excelência e sua beleza, ou mais exatamente nossa negligência e nessa desatenção tornaram tão rara entre os monges destes tempos e que Cristo beatificou: “Bem-aventurados os corações puros porque verão a Deus” ( Mt 5,8 ). Por essa razão, ela é de grande valor. A sobriedade guia o homem que a pratica com perseverança, numa vida justa e agradável a Deus. É, além disso, uma escada que conduz à contemplação; ensina-nos a reger convenientemente os movimentos das três partes da alma (razão, irascível e concupiscível), a vigiar com segurança os nossos sentidos; e aumenta, de dia para dia, as quatro grandes virtudes.
2. Moisés o Grande Legislador, ou melhor o Espírito Santo, querendo nos mostrar quanto esta virtude é excelente, pura, universal e nos eleva, e nos ensinar como é preciso a pôr em ação desde o início, depois a levar à perfeição, disse: “Cuida que não te venha ao coração um pensamento secreto” ( cf. Dt 15,9 ). Moisés, ou antes, o Espírito Santo, entende que isso é a simples aparição de um objeto mau, em repulsa a Deus, o que os Padres chamam de sugestão. Oferecida ao coração pelo diabo, logo após ser apresentada à inteligência, é seguida por nossos pensamentos, que começam então uma conversa apaixonada com ela.
3. A sobriedade é o caminho de todas as virtudes e de todos os mandamentos de Deus. Consiste na tranquilidade do coração e num espírito absolutamente preservado de qualquer imaginação.
4. O cego de nascença não vê a luz do sol. Assim aquele que não anda na sobriedade e na vigilância não vê em todo sua riqueza as cintilações da graça do alto. Não será também liberado das ações, das palavras e dos pensamentos maus e iras de Deus. De tais homens, quando deixam esta vida, não passarão impunemente diante dos príncipes do inferno.
5. A atenção é um coração em permanente repouso ( hesíquia ) de todo pensamento, que só respira e invoca ininterruptamente o Cristo Jesus Filho de Deus; que combate, intrépido, a seu lado, e confessa Aquele que tem poder de perdoar os pecados. Que a alma, através de uma invocação constante, abrace Cristo, que escruta em segredo os corações; que ela se aplique em esconder completamente, aos homens, sua alegria e combate interiores. O Maligno não encontra mais passagem por onde introduzir sua malícia no coração e destruir a obra perfeita, entre todas.
6. A sobriedade é uma sentinela imóvel e perseverante do espírito, à porta do coração, para perceber sutilmente os que se apresentam, escutar suas conversas, espiar as manobras desses inimigos mortais; para reconhecer a marca demoníaca que tenta, pela imaginação, devastar nosso espírito. Essa obra, corajosamente conduzida, vai dar-nos, se quisermos, uma experiência muito prudente do combate interior.
7. O duplo temor, os desamparos e as provas pedagógicas que Deus usa conosco têm, como efeito natural, criar uma continuidade sólida de atenção, no espírito do homem que se esforça para obstruir a fonte dos maus pensamentos e ações. É a razão dos desamparos e das tentações inopinadas, enviadas por Deus, para corrigir nossa conduta, principalmente se, depois de provar a doce paz da atenção, caímos na negligência. O esforço incansável gera o hábito; este, uma certa continuação da sobriedade que, por sua vez, consegue pouco a pouco uma visão direta do combate, seguida da oração perseverante de Jesus, o suave repouso de um espírito livre de imaginação e do estado estabelecido ( NT: ao mesmo tempo estabelecido por, resultante de, “composto de” Jesus, se se pode dizer assim ) por Jesus.
8. A reflexão que se imobiliza, que invoca o Cristo contra os adversários e que se refugia junto dele, é como uma besta selvagem cercada por uma matilha de cães e que resiste tal uma fortaleza. Ela prevê de longe em sua inteligência as emboscadas inteligíveis dos inimigos invisíveis. E porque não cessa de invocar contra eles Jesus que dispensa a paz, ela permanece invulnerável.
9. Se tens a experiência, e se te foi dado desde a manhã diante de Deus em no despertar, mas também de contemplar, sabes o que quero dizer. Senão, seja sóbrio e vigilante, e compreenderás.
10. Os mares são feitos de muita água. O que faz e conforta a sobriedade e a vigilância, a moderação, a profunda hesychia da alma, este abismo de contemplações extraordinárias e inefáveis, de humildade consciente, de retidão e de amor, é uma extrema atenção e a oração de Jesus Cristo, sem pensamentos. E isso com fervor e continuidade, e não cedendo jamais ao desencorajamento.
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