Guardini Sermão da Montanha

Romano Guardini — O SENHOR
Sermão da Montanha
As reflexões da primeira parte (da vida de Jesus) foram consagradas aos princípios da vida do Senhor, e ao período dela a que se deu o nome feliz de primavera do seu apostolado. Nesse tempo os homens eram impressionados pelo poder da sua personalidade e a verdade da sua mensagem. Por todo o lado os corações se abriam, os milagres irrompiam, e parecia que o Reino de Deus, tão próximo, havia de aparecer realmente em toda a sua patente plenitude.

A descrição deste tempo culmina com o Sermão da Montanha; sucessão de ensinamentos e exortações, provavelmente administrados em ocasiões diferentes mas dentro da mesma situação global, e que o Evangelista associou ao mais importante dentre eles, pronunciado «na montanha». Ao fim da primeira parte ocupamo-nos já das bem-aventuranças, essas palavras inquietantes e poderosas que constituem o seu princípio. Com o Sermão da Montanha começará também a segunda parte das nossas reflexões.

Tem-se dito que ele anuncia a ética de Jesus; que Jesus formula nele as novas relações do homem consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus, através das quais a ética cristã se diferencia da do Antigo Testamento e da da humanidade. Esta opinião, não é porém exata, se se entende por ética, no sentido moderno da palavra, a ciência do dever e da moralidade. Não é somente uma moral o que aqui se manifesta, mas toda uma maneira de existir — a qual evidentemente, exprime ao mesmo tempo um «ethos».

A consciência desta maneira de existir sobressai claramente nas bem-aventuranças. Palavras surpreendentes e inquietantes qualificam de «feliz» aquilo que nós naturalmente chamamos «desgraçado», e são lançadas ameaças sobre o que temos em grande apreço — ver em Lc. 6, 24-26.

Procurando compreender tudo isso, dissemos que novos valores penetram no mundo a partir do «alto» — tão diferentes e tão grandes que para os exprimir é necessário inverter a escala natural dos valores. Qual será então a relação desta nova existência, e de tudo o que ela abrange, com as normas tradicionais do Antigo Testamento? Jesus responde: «Não julgueis que vim destruir a Lei ou os Profetas; não vim destruí-los mas sim a dar-lhes cumprimento» (Mt., 5, 17). O que Ele traz é pois novo, não porque destrua o passado, mas porque o leva às suas últimas consequências.

Segue-se então uma série de parágrafos, nos quais esta realização é exposta: Mt. 5, 21-26; 27-30; 5, 33-37; 5, 38-42; 5, 45-48, e ainda Lc. 6, 34-35.

Estes textos são construídos do mesmo modo. Primeiramente: «Ouvistes que foi dito aos antigos», e depois: «Pois Eu digo-vos», após o que se segue a resolução da contradição. Quatro dentre eles ocupam-se das relações com o próximo, três dos quais da relação entre justiça e amor, e a restante do comportamento do ser humano em relação ao sexo oposto. Um dos textos é consagrado às relações com Deus.