Se não voltardes a ser como os meninos (Mt XVIII, 1-10)
NESSA altura, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: «Quem é então o maior no Reino dos Céus?» Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles, e disse: «Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como os meninos não entrareis no Reino dos Céus. Quem pois se fizer pequeno como este menino é que é o maior no Reino dos Céus. E quem acolher um menino como este em meu Nome é a Mim que acolhe. Mas se alguém vier a ser ocasião de queda para um desses pequeninos que crêem em Mim, mais lhes convinha que se lhe suspendesse em volta do pescoço uma mó de jumento e se afogasse no alto mar… Vede lá, não desprezeis nem um só destes pequeninos, pois vos digo que os seus anjos, nos Céus, vêem continuamente a face de meu Pai que está nos Céus» (Mat., 18, 1-10).
Nesta narração entramos em contacto com a vida diária, tal como se desenrolava à volta de Jesus, vemos aqui alguma coisa das reações humanas, muito humanas, provocadas pelo Mestre: e também como o instante que passa foi ocasião de um ensinamento e de um conselho valendo para todo o sempre. Os discípulos têm ciúmes uns dos outros. Crêem estar iminente o advento do reino de Israel, reino decerto estabelecido por Deus mas num esplendor humano. Preocupam-se assim com o papel que eles próprios desempenharão. S. Marcos sublinha mais vigorosamente estas preocupações: «Chegaram a Cafarnaum. E Jesus quando Se encontrou em casa, começou a perguntar-lhes: «Que discutíeis no caminho?» Mas eles ficaram calados, pois tinham discutido no caminho uns com os outros qual seria o maior. Então Ele, sentando-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Se alguém quer ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos». E tomando um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o e disse-lhes: «Quem acolher em meu Nome um destes meninos é a Mim que acolhe; e quem Me acolher não Me acolhe a Mim, mas Aquele que Me enviou» (Marc, 9, 33-37).
Lê-se no capítulo vinte de S. Mateus: «Aproximou-se então de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se para Lhe fazer um pedido: «Que queres?» perguntou-lhe Ele. Ela respondeu-Lhe: «Dize que estes meus dois filhos se sentem, no teu Reino, um à tua direita e o outro à tua esquerda»… Os outros dez, quando isto ouviram, ficaram indignados com os dois irmãos. Mas Jesus chamou-os e disse: «Vós sabeis que os governantes das nações fazem sentir o seu domínio sobre elas, e os magnatas a sua autoridade. Não será assim entre vós. Mas quem quiser entre vós tornar-se grande será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro será vosso escravo. É assim que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate por uma multidão» (12, 20-28).
Os discípulos têm consciência do seu valor pessoal e quereriam saber como será ele reconhecido; se se levará em conta o fato de este ter vindo para ao pé de Jesus primeiro do que aquele; o fato de que um é particularmente hábil e o outro muito estimado na sua aldeia. Intervém ainda terceiros, parentes. A mãe dos filhos de Zebedeu faz-nos assistir a um verdadeiro ataque de surpresa que produz naturalmente nos prejudicados a correspondente indignação. De todos os lados se levanta esta pergunta: «Quem é o maior no Reino dos Céus?» Ela significa em primeiro lugar que o Mestre deveria dizer segundo que critério determinaria o lugar e os direitos dos discípulos. Mas este desejo muito terrestre esconde um outro, mais profundo.
Eles queriam saber em geral qual seria a escala de valores no mundo novo que deve advir. Jesus responde por uma imagem: coloca uma criança no meio deles. Marcos descreve a cena com precisão. Jesus põe a criança a seu lado, e senta-Se; os discípulos estão à sua volta, abraça a criança, põe-na no meio do grupo e diz, mostrando-a: «Adultos pretenciosos e ambiciosos, eis o critério que vale; é o contrário do que vós sois, o contrário da vossa maneira de ver e de agir». A escala de valores deles é completamente invertida. No Reino de Deus não acontecerá como no mundo, onde há mestres e servos, homens cúpidos e astuciosos, hábeis e desajeitados, lentos e simples — portanto, homens que triunfam e homens que sucumbem; a situação será invertida, como Jesus o deixa entender nas palavras de alegria pronunciadas por Ele quando os discípulos enviados em missão regressam: «Bendigo-Te ó Pai Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos hábeis e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque tal foi do teu agrado» (Mat., n, 25-26). Ou, seguindo S. Paulo, que dirá um dia: «Mas o que é louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios, o que é fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte» (I Cor., 1, 27). Na criança, ao contrário do que já vive e está instalado, a vida recomeça. Ela inverte os valores — e é por isso que o adulto, apesar da sua ternura natural, experimenta muitas vezes um rancor secreto contra a criança. Por isso ainda produz esta cena tanta impressão. Não atinge apenas os olhos, mas o fundo do coração.
No decorrer da predicação cristã, esta palavra sobre a infância espiritual desempenhou, e com razão, um grande papel. Esta infância tornou-se a forma da essência do cristianismo. Não podemos entretanto impedirmo-nos de pensar que ela teve também alguns inconvenientes. Não terá introduzido na atitude cristã uma fraqueza, uma não-personalidade, uma má dependência? Qual é então o pensamento do Senhor, dando tanta importância à criança? Se bem compreendemos os textos citados, três idéias diferentes se exprimem aí.
A primeira está contida nesta frase: «E quem recolher em meu Nome um menino como este é a Mim que acolhe». Obedecendo a um sentimento instintivo, o homem aceita por esta forma o que deu as suas provas, o que é útil e importante. A criança não apresenta nada disto. Ainda não fez nada. Não representa muito. Está no começo, é só ainda uma esperança. A criança não pode obrigar o adulto a tomá-la a sério, pois é ainda «pequena». Os verdadeiros homens são os grandes. A criança é só ainda candidato à humanidade. Esta atitude não é apenas a dos cerebrais e dos egoístas, mas também de pessoas amáveis, maternais, sobretudo de pedagogos que procuram devotar-se socialmente. Ela dá ao comportamento do adulto em relação à criança uma nota de desconsideração simpática ou antipática que sentimos até no tom artificial e de brincadeira com que ele julga dever falar à criança. Então Jesus diz: Vós não recebeis verdadeiramente a criança porque ela é incapaz de se impor. Ela é demasiado insignificante para vós. Mas escutai: onde se encontra aquele incapaz de se fazer valer, encontro-Me Eu próprio. Uma alma nobre apresenta-se onde está aquele que ainda não deu provas, e diz: respondo por ele.
A criança recebe agora uma significação inteiramente nova. É arrancada à apreciação genérica que nela apenas vê a vida nascente; à apreciação econômica que apenas a afere segundo a utilidade e o rendimento; ao sentimento imediato, que a experimenta como prolongamento de si próprio e ao mesmo tempo oposição a si próprio, a confirmação e a crítica, uma parte naturalmente amada de si próprio e um concorrente na existência, que vencerá porque tem um futuro diante de si. Desta mistura estranha e equívoca que se chama o «amor da criança», Jesus extrai estoutra significação: a criança é Cristo em formação. Tomei a criança a sério, por tal forma que dei o meu sangue por ela. Aí se funda o seu valor. Deves por isso saber que quando encontrares a criança Me encontras a Mim!
O segundo pensamento: «Mas se alguém vier a ser ocasião de queda para um desses pequeninos que crêem em Mim, mais lhe convinha que se lhe suspendesse em volta do pescoço uma mó de jumento e se afogasse no alto mar… Vede lá, não desprezeis nem um só destes pequeninos, pois vos digo que os seus anjos, nos Céus, vêem continuamente a face de meu Pai que está nos Céus».
A criança não tem defesas. Não se pode proteger dos adultos. Contra o influxo que provém da historicidade, da experiência, do pensamento dos adultos, nada pode. Sobretudo quando o adulto é mau; quando lhe envenena o espírito, perturba o seu sentimento do justo e do injusto, inquieta os sentidos mal protegidos da criança, destrói pudor e respeito. A criança não se pode defender contra isto. Assim Jesus diz: Prestai atenção! Onde virdes apenas o ser fraco, vereis um mistério divino, delicado e sagrado. Quem o perturbar faz algo tão horrível que melhor seria para si haver sido antes aniquilado, como um animal perigoso.
O nosso texto é um dos poucos passos em que se fala na Escritura do anjo da guarda que Deus deu ao homem para que proteja o que há de sagrado nele. A imagem do anjo da guarda foi corrompida através do tempo como tudo o que há de grande Revelação. Fez-se do anjo uma espécie de vigilante invisível que impede a criança de cair num rio ou de ser mordida por uma serpente. Do ser esplêndido e terrível de que fala a Escritura fez-se algo sentimental, quase equívoco. A sua natureza é irresistivelmente poderosa; quando aparece aos homens, a sua primeira palavra é: «Não temais», o que quer dizer que dá ele próprio a força para que seja suportado. Recebeu de Deus a missão de proteger o que há de santo no homem confiado aos seus cuidados; protege através dos enganos, do sofrimento e da morte… E eis que Cristo diz: «Prestai atenção quando tocares naquilo que há de santo numa criança! Atrás da criança está o anjo, e ele contempla Deus». Atrás da criança está Deus. Se te aproximas demasiado, atingirás algo que conduz imediatamente ao mistério de Deus. E terás então que te haver com um terrível adversário. É verdade que ele guarda silêncio. Nada parece passar-se. Mas um dia saberás o que aconteceu no momento em que ele se tornou teu adversário. Torna-se aqui patente a santa dignidade do desarmado.
Finalmente o terceiro pensamento, aquele que mais fundo vai: «Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como os meninos não entrareis no Reino dos Céus». É aqui enunciada uma condição. Para se poder entrar no Reino dos Céus, temos de «voltar a ser como os meninos». A infância é assim a atitude do Reino de Deus.
Como houve equívocos em torno desta palavra! Como lhe foi dado um sabor de sentimentalismo, de irracionalismo, de sensualidade até! Quantos seres humana e religiosamente inferiores se prenderam a ela! Como se buscou nela uma justificação da fraqueza própria e da própria necessidade excessiva de ternura! Como a incapacidade de suportar a franqueza e de freqüentar homens responsáveis se referiu a ela! É assim necessário examinar atentamente o que significa a palavra do Senhor em relação à infância.
Que possui a criança que o homem não tem, e que Jesus impõe a este como norma? Não decerto a graça infantil. Isso seria um lirismo que não corresponde a Jesus… Talvez a inocência? Mas na realidade a criança não é por forma alguma inocente. O sentido da realidade da Escritura Santa não pensa em designar a criança como inocente. Ela sabe o que é o homem e que a «criança da idade de um dia» traz já em si o mal. A criança traz já em si todo o mal; a maior parte das vezes ainda em germe, mas muitas vezes já desperto e ativo. Nenhum educador conhecendo realmente a criança a considera inocente. A criança inocente é uma invenção do adulto, em busca de um terreno para a idéia sentimental de uma pseudo-inocência que teria sido sua um dia. Assim tira o adulto prazer de si próprio — e do poder que tem sobre este ser tocante.
Que quer então dizer Jesus? Manifestamente o oposto do que, num mau sentido, é o «adulto».
Este quer a segurança, o que a torna astuta e dura. A angústia possui-o, e a angústia diminui… Ao invés, a criança ainda não conhece o instinto da segurança — ou pelo menos não o conhece de uma maneira tão forte —, e encontra-se num estado de calma confiança. Esta atitude não constitui nele um mérito, e vem apenas da ignorância; mas existe não obstante, e engendra uma pura e inconsciente confiança na existência.
O adulto tem «fins» que o fazem procurar e empregar os meios para os atingir. Vê as coisas do ponto de vista da utilidade, e retira por isso a liberdade a tudo. Tem intenções; e nada deforma tanto a existência como as intenções. Constrangem os homens e falsificam as coisas… A criança, pelo contrário, não tem intenções. Mas exageramos; tem naturalmente intenções, quer isto e aquilo. Tem também angústia. Tem em suma tudo o que o adulto tem, pois começa-se a tornar adulto com o primeiro sopro. Mas se fizermos uma psicologia excessiva destruiremos o sentido da parábola. É preciso extrair o que importa a Jesus. É então, exato dizer que a criança se encontra ainda numa situação de simples encontro com o ser. A sua volta e em seu benefício, os incidentes podem ainda produzir-se livremente e as coisas podem ser elas próprias.
No «adulto» há muito de não-natural. Não deixa a existência como esta é, mias modifica-a. Chamamos a isto civilização. Há aí valores preciosos; mas eles estão contaminados pelo artifício e pela falta de natural. Por toda a parte há formas intermediárias; entre o homem e o homem, entre o homem e a coisa; os intermediários autonomizam-se e impedem a vida de encontrar a vida, o coração de falar ao coração… Em toda a parte há formas e substituições e sucedâneos que escorraçam a realidade. Em toda a parte se presta atenção. Mas prestar atenção atalha a força, torna o homem prudente e impessoal. Em torno do adulto reina o artifício. O que se designa como educação é em boa parte a introdução neste mundo artificial. «Isto não se faz» é uma das primeiras palavras educadoras e que o sentimento primitivo, que protesta contra ela, não deve atacar, não pode atacar a longo prazo. Que fazer, efetivamente, contra uma forma impessoal da existência, que age em toda a parte e em toda a parte é inapreensível?… A criança, pelo contrário é ainda natural, direta, ela própria. Diz o que é e embaraça por aí os adultos. Mostra o que sente e é por isso tratado de mal educado. Em grande parte, a educação não consiste em ser caridoso, compreensivo, esquecido de si, mas em esconder os sentimentos próprios. Por isso apresenta a conversa do adulto muita simulação c mentira. Diversamente, a criança é simples e sincera, sempre sem mérito da sua parte. Não conhece ainda os obstáculos que tornam difícil a franqueza do adulto. A sua sinceridade não foi ainda posta à prova. Mas existe e constitui uma acusação viva.
O «adulto» volta sempre a si próprio. Analisa-se, examina-se, experimenta-se, decide-se. Nisto reside a seriedade da existência, a consciência e responsabilidade; mas ao mesmo tempo a vida estaca por isso. O adulto olha-se e sente-se viver conscientemente; isso obstrui o caminho que conduz às coisas, aos outros homens, ao mundo… A criança não reflete. Os movimentos da sua vida vão de si próprio para os seres que estão fora de si. A criança é aberta. Mantém-se direita e olha direito à sua frente. Vê bem mas não sabe tudo isto, porque reflete pouco sobre si. Depois a transposição faz-se lentamente e o seu mundo aberto torna-se o espaço fechado da reflexão e da afirmação de si próprio.
Esta atitude da criança contém também a sua humildade: que faz com que ela «se considere a si mesma pouca coisa», como diz o Senhor. Não coloca o seu eu em primeiro plano. Há na sua consciência coisas, acontecimentos, homens, mas não o seu próprio eu. Por isto pode o essencial, o que é e o que importa, ganhar relevo no seu mundo. O mundo dos adultos está cheio de inutilidades, de sinais e sucedâneos, de meios e de combinações para os obter, de aparências e de futilidades tomadas a sério. No inundo da criança há as próprias coisas; por isso o essencial não o espanta. No fundo, apenas se espanta e se inquieta ao verificar todas as petrificações e estreitezas impostas pelos adultos.
Repitamos que tudo isto não é verdadeiro senão em certa medida. Não queremos, depois de havermos eliminado o romantismo da inocência infantil, cair num outro. Há todavia aqui e em grandes linhas, algo que distingue as crianças dos adultos, e é o que a parábola revela.
Porque a criança é sem artifício, sem intenção, sem a preocupação ansiosa de se fazer valer, porque é aberta, está ao mesmo tempo receptiva para esta grande revolução da existência que anuncia a Cristo e que Ele chama o «Reino de Deus». Esta mensagem deixa os adultos pensativos. A sua prudência responde que tal não pode ser e prevê as conseqüências que isso terá. O seu orgulho pessoal revolta-se. O seu endurecimento não quer ceder. Fecharam-se no seu mundo de artifícios, receiam que ele estremeça e por esta razão não chegam a compreender. Os seus olhos estão cegos, as suas orelhas surdas, os seus corações duros, como Jesus diz tão freqüentemente. São demasiado «adultos».
Como é «adulto», o povo de Israel, os fariseus e os doutores da lei, os sacerdotes e os grandes sacerdotes! Se os olhardes, vereis neles todo o endurecimento e toda a perversão, toda a herança do pecado. Como são velhos! A sua memória estende-se até Abraão, dois mil anos atrás; trata-se pois de uma consciência histórica como poucos povos possuem. A sabedoria vem-lhes de Deus e de uma longa experiência humana. São perspicazes, inteligentes, corretos. Examinam, pesam, refletem, distinguem, e quando o Messias chega, quando a profecia se realiza, quando a sua longa história ganha todo o seu sentido, prendem-se obstinadamente ao passado, agarram–se às suas tradições humanas, entrincheiram-se atrás do Templo e da lei; são astuciosos, duros, cegos e a hora de Deus passa para não voltar mais. O Enviado de Deus deve morrer por aqueles que guardam a Lei de Deus. O cristianismo nascente nasce do seu sangue e do Espírito Santo, quando o velho judaísmo permanece petrificado na espera d’Aquele que veio já…
A criança é jovem. Tem a simplicidade do olhar e do coração; quando surge algo novo, grande, salvador ela olha aproxima-se, entra. Esta simplicidade esta naturalis christianitas de que quer falar a nossa parábola, é a infância. Jesus não visa assim nada de sentimental, de tocante, de docemente impotente e delicadamente acariciador, mas a simplicidade do olhar, a capacidade de olhar ao longe, de sentir o essencial e de o aceitar sem pensamentos reservados.
Tomada no seu sentido último, a palavra infância significa o mesmo que a palavra «fé» exprime: a altitude, natural à Fé, pela qual o que vem de Deus pode ser atingido.
Algo pois que é santo e grande; é claro que não é possível começar por aí. É significativo que o nosso texto diga: «Se não voltardes a ser como os meninos…». Voltar a ser como os meninos, extirpar o caráter de «adulto», fazer meia volta e reconstruir-se desde o fundo; mas isto exige muito tempo.
A infância segundo Jesus consiste em viver da paternidade de Deus. A criança vê tudo em função do seu pai e da sua mãe. Tudo lhe acontece por eles. Vê-os em toda a parte. São para ele a fonte de tudo, a medida da ordem. Para o adulto, «pai e mãe» desaparecem. À sua volta não há senão um mundo incoerente, hostil, indiferente. O pai e a mãe partiram e tudo se despovoou. Mas para o filho de Deus há de novo alguém paternal, é o Pai que está nos Céus. É verdade que não deve ser um pai terreno hipertrofiado, mas o verdadeiro «Deus e Pai Jesus Cristo» (I Cor., 1, 3), como Ele é manifestado pela sua palavra e que nos faz saber que nos quer ajudar a realizar a sua vontade.
O sentido próprio à infância é a atitude que vê em todas as situações o Pai no Céu. Mas para isto ser possível, é preciso que seja elaborado o que acontece na vida; do simples encadeamento da existência deve nascer a sabedoria; do acaso, deve jorrar o amor. Realizar isto inteiramente é difícil. É a «vitória sobre o mundo» (I Jo., 5, 4). Tornarmo-nos crianças no sentido de Cristo é a mesma coisa que crescer no sentido cristão.